segunda-feira, 6 de junho de 2011

Aula 8

AULA 8

Tema: Despesa pública. Introdução, conceitos e programação da despesa.

Noções introdutórias:

Tomemos como exemplo para reflexão as seguintes situações:

a) Alguém que realiza uma limpeza em sua residência e disto resulta uma quantidade expressiva de resíduos, que é coletada pelo serviço público executado pelo município;

b) Município que coleta resíduos, mas não investe ou não se ocupa, em suas prioridades, de estimar adequadamente a capacidade de tratamento e de deposição dos mesmos em aterro que termina por não mais suportar recebê-los;

c) Desastres e tragédias que resultam em deslizamentos, mortes ou em número expressivo de desabrigados;

d) Queimadas urbanas não controladas que contribuem para o aumento do número de casos de doenças respiratórias;

e) Demandas por aumentos de vencimentos por iniciativa de servidores públicos;

f) Moradores que expõem a necessidade da ampliação de unidade de atendimento de saúde em seu bairro, ou de pavimentação, ampliação de ruas, reparos, construção de escolas;

g) Construção de estádios, investimento em infra-estrutura turística;

h) Prefeito que firma convênio com associação civil para a construção de uma pista de boliche;

i) Aquisição de um helicóptero para o atendimento das necessidades de mobilidade do governador do Estado;

j) Aquisição de equipamentos de iluminação pública e sua substituição na hipótese em que não se demonstre deficiência no funcionamento, mediante a contratação de operação de crédito;

Temos em todos os casos a exposição de gastos por iniciativa do Poder Público para o atendimento das mais distintas finalidades, que representam demandas existenciais de diferentes naturezas, seja para o fim da proteção de necessidades prioritárias ao desenvolvimento de padrões mínimos de existência digna, seja para elevar esta qualidade de vida, ou simplesmente, para a ampliação dos instrumentos da ação pública para o fim de assegurar que esta possa atender a coletividade em uma perspectiva duradoura. Disto se trata, em última análise, da despesa pública. Esta representa uma realidade de decréscimo patrimonial, que tem vinculação com fontes de recursos específicas, seja para a manutenção da ação pública, seja para o seu aperfeiçoamento. Tem-se aqui, um cenário de variação negativa do patrimônio público, representando não apenas uma situação de saída compensatória, senão um decréscimo irreversível ao mesmo. Estamos tratando aqui das transformações concretas na realidade social e econômica, frequentemente por iniciativa de políticas públicas, cujos efeitos se refletem em despesas. Direitos fundamentais e sua concretização representam, em última análise, despesas públicas, sendo estes, os efeitos materiais de escolhas públicas sobre como transformar uma determinada realidade para o fim de atingir determinados objetivos.

IMPORTANTE: Muito embora o Direito Financeiro proponha uma aproximação e uma investigação sobre o processo que proporciona que as tarefas estatais possam ser concretizadas, e que se traduz na transformação ou conversão de patrimônio em realidades existenciais de interesse público [convertendo, portanto, recursos financeiros à sua disposição em bem-estar no interesse de uma universalidade de demandas], isso não quer dizer que a atividade financeira somente se destina ao custeio das prestações estatais a que está obrigado perante os particulares, em nome de uma noção de mínimo existencial, de qualidade e da dignidade de vida. Mesmo direitos vinculados a uma realidade eminentemente privada ou associados ao conjunto dos direitos de liberdade, não decorrem exclusivamente da vontade de seu titular para que possam proporcionar o efeito [o grau ou o nível de bem-estar] que esteja vinculado à determinada norma. Proteção da propriedade privada, exercício de liberdades econômicas, capacidade de apropriação privada sobre bens, a liberdade ambulatória, privacidade e intimidade, todas representam liberdades que dependem, em última análise, de infra-estruturas que requerem a intervenção pública, dependendo de sua pré-existência o acesso ou o usufruto dos bens e das liberdades referidas.

Portanto, se a despesa pública poderia estabelecer relações muito estreitas com os direitos a prestações ou com uma realidade prestacional dos direitos fundamentais, seria mais correto admitir sua aproximação com uma dimensão mais alargada da ação pública: a das políticas públicas, das quais dependem todas as liberdades civis, sociais, econômicas e culturais do homem, nas sociedades contemporâneas.

A despesa pública representa o resultado de um processo de decisão, sendo, portanto, uma ação conseqüencial. As transformações no plano existencial devem atender uma finalidade última, expressa no desenvolvimento de padrões mínimos de dignidade de vida, permitindo, portanto, que liberdades e a igualdade caminhem de forma simétrica. Cumpre ao Estado assegurar que o exercício das liberdades não reproduza privilégios ou estados de discriminação sem causa razoável. A proteção das liberdades pelo Estado também supõe a proteção da igualdade. Isto significa que, se a abstenção do Estado não é suficiente para que as liberdades sejam fruíveis, uma vez que lhe cabe viabilizar a pré-existência da infra-estrutura indispensável à grande parte das liberdades, também se exige que, por sua iniciativa, a igualdade seja atingida ao mesmo tempo em que se assegura a proteção das liberdades.

Sendo assim, seria possível argumentar que o resultado da atividade financeira destina-se a permitir que todos possam ter igual acesso ao bem-estar decorrente de serviços públicos, ou de ações que viabilizem o exercício de direitos fundamentais.

Entretanto, em que medida isso pode ser viabilizado? Sendo mais específico: igual proteção supõe que se tenha de proporcionar a todos, os mesmos níveis de proteção?

As demandas existenciais são iguais? Se não o são, como conciliar estas distinções e diferenciações, sob o ângulo do princípio da igualdade, que deve ser atingido através da atividade financeira?

Em primeiro lugar, deve-se enfatizar que não é verdadeiro que todos possuam as mesmas necessidades de proteção. Grupos ou sujeitos podem se encontrar expostos a maiores graus de vulnerabilidade econômica, social e a um conjunto indeterminado de ameaças existenciais, razão pela qual estas necessidades especiais suscitam níveis de proteção diferenciados, níveis adicionais de proteção por iniciativa estatal e que também implicam fontes de financiamento público especiais (v.g, algumas contribuições especiais).

Portanto, igual proteção também envolve um dever estatal de proteção ativa do homem e de suas liberdades, dever que compreende a correção de distorções e falhas de mercado, v.g, de modo a permitir que sob a referência de um mínimo existencial, todos possam ter acesso a um nível considerado como satisfatório à sua existência com dignidade (que não se adstringe à mera sobrevivência) nas sociedades contemporâneas.

Sob a referência de um nível mínimo de proteção que deve ser proporcionado de forma indeterminada e universal a todos os particulares nas sociedades contemporâneas, é possível viabilizar a compreensão adequada do princípio da igualdade como meta da atividade financeira do Estado. Proporcionar igual acesso aos direitos fundamentais é compatível com a admissão de necessidades especiais e níveis adicionais de proteção, cujo fundamento reside justamente na correção de distorções ou desigualdades, necessária para que se atinja o nível mínimo esperado ou admitido como tarefa por determinada experiência jurídica. É este nível mínimo que orienta a definição do conteúdo do princípio da igualdade. E concretizar tais níveis de proteção implica, em última análise, a realização de despesas públicas.

IMPORTANTE: O uso racional dos recursos públicos reflete a correta (e suficiente) destinação do resultado da arrecadação em ações que sejam necessárias. Por outro lado, a eficiência na realização da despesa pública representa a prevenção de gastos desnecessários e a melhoria (potencial) na capacidade estatal de atender às ações de interesse público.

Com estas considerações, enfatiza-se que o objetivo central desta proposta de abordagem sobre a organização da atividade financeira do Estado é, em última análise, o de expor como estes elementos, receita e despesa, relacionam-se, influenciam, viabilizam, ou são capazes de viabilizar a ação pública.

Portanto, nesta abordagem, o Direito financeiro assegura uma possibilidade de se visualizar, a partir da lei n. 4.320/1964, da LC n. 101/200, e da CRFB, e através dos elementos receita, despesa, e dos instrumentos definidos pela ordem jurídica, alternativas e os meios para transformar/concretizar tarefas estatais de proteção. É a partir da relação, da combinação e da interação entre desses instrumentos, que se pode assegurar ou viabilizar níveis de proteção social suficientes, e de benefícios que sejam fruíveis por toda a coletividade.

1. A despesa pública. Conceitos.

Para alcançar seus objetivos, o Estado depende de recursos que são auferidos de diversas maneiras, conforme estudado, constituindo estes recursos, receita pública, pública porque se trata de dinheiro que ingressa e se destina ao Poder Público, para o atendimento de finalidades públicas. Tal receita (o dinheiro) deve ser aplicada para a consecução dos fins previamente traçados, que passam a constituir deveres do Estado. Os gastos provenientes desta aplicação dos recursos (receita) constituem o que se trata por DESPESA PÚBLICA.

Como se pode conceituar despesa pública? Basicamente de duas formas:

Conceito sintético: Pelo primeiro conceito, despesa pública é o conjunto de dispêndios do Estado, ou de qualquer pessoa de Direito público, mas são gastos necessários para o funcionamento dos serviços públicos [estes gastos serão despesas correntes, conforme será visto]. Portanto, temos aqui, enquanto síntese, o conjunto de gastos efetuado pelo Estado para a execução de tarefas públicas, e nada mais.

Conceito analítico: Pelo segundo conceito, despesa é a aplicação de uma certa quantia [sempre que se fala em quantia, está se falando em dinheiro. Por que se fala em dinheiro? Lembrem-se que receita é dinheiro obtido pelo Estado. Portanto, receita é a aplicação desse dinheiro que foi arrecadado]. Quem aplica o dinheiro? A autoridade ou o agente público. Como aplica o dinheiro? Aplicação é gasto. Todo gasto deve ser precedido de autorização decorrente de lei. Não se gasta sem lei que autorize o gasto. Aqui já temos um primeiro elemento relevante para o conceito de despesa: os gastos não são e não podem ser arbitrários. O poder público não gasta como o particular. Ele só gasta se há autorização para gastar. Esta autorização, conforme será visto posteriormente, está em uma estrutura de leis orçamentárias [isso porque o orçamento é o conjunto de um Plano Plurianual (PPA), de uma Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e de uma Lei Orçamentária Anual (LOA)]. Esse conceito, além de mais detalhado, é fiel ao que está exposto na Lei n. 4320/64 e na estrutura orçamentária da Constituição brasileira.

Temos, em síntese: despesa é toda aplicação de dinheiro para a execução de alguma tarefa ou atividade pública [atividade executada pelo próprio poder público]. Lembrem-se sempre que atividade financeira é estatal. Trata-se de dinheiro arrecadado pelo Estado, para ser gasto pelo Estado, em finalidades de Estado, e nada mais. Mas temos mais elementos desse conceito: a tarefa pública ou finalidade pública é e deve ser sempre, uma atividade prevista e programada. Onde está essa programação? Está na estrutura orçamentária.

Portanto: Todas aquelas fontes de receitas, ou melhor, o produto daquelas fontes de receita devem ser aplicados e convertidos em quê?

Em despesas públicas, que são exatamente os gastos com prioridades ou necessidades públicas, definidas de forma participativa, em um processo de decisão no qual a escolha não é o resultado de uma opção plenamente livre e individual do chefe do executivo. Não quer dizer que um presidente de bairro dirá ao prefeito que precisa de uma unidade de saúde, a pavimentação de uma via em seu bairro, a instalação de pontos de iluminação pública, a ampliação de uma rede de tratamento de esgotos, a construção de creches, o aumento do número de servidores visando à melhoria do atendimento. As necessidades têm sede constitucional. As prioridades são escolhas do chefe do poder executivo, mas somente após considerar os resultados de audiências públicas em um processo conhecido como orçamento participativo. Algumas prioridades são pré-fixadas pela Constituição, como despesas com saúde e educação. Nestas, não cabe ao prefeito, ao governador ou ao presidente da república apontar quanto pretende ou precisa gastar. A Constituição aponta quanto DEVEM gastar com tais tarefas.

Neste caso, temos, por exemplo, em relação à SAÚDE, que as despesas provém dos recursos das contribuições da seguridade social do artigo 195 e de outras fontes [conforme consta do artigo 198, § 1º] e terão percentuais mínimos que terão de ser obrigatoriamente aplicados anualmente, pela União, Estados, Distrito federal e municípios [conforme consta do artigo 198, § 2º].

Em relação às despesas com as ações de ensino, o artigo 212, caput, da CRFB aponta que devem ser aplicados por cada um dos entes da federação, os seguinte percentuais oriundos do total dos IMPOSTOS arrecadados:

a) 18% no caso da União;

b) 25% no caso dos Estados, Distrito-federal e municípios;

IMPORTANTE: As despesas são públicas não só porque se utilizam de recursos públicos [receitas públicas]. Despesas realizadas pelo Poder público que não atendam às vedações orçamentárias fixadas pela Constituição no artigo 167 [que serão analisadas em aula específica], aos princípios constitucionais da Administração Pública [artigo 37, que propõe os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência] e, especialmente, às regras que orientam a realização das despesas, fixadas na própria Lei n. 4.320/64 e na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000), não podem ser autorizadas, devendo ser objeto de sua invalidação e apuração das responsabilidades dos gestores públicos.

Em síntese, a despesa pública deve ser sempre, além de legal, uma despesa, necessária, útil, moral e, principalmente, eficiente.

Sendo assim, tomemos como exemplos as seguintes situações:

a) A substituição de TODOS os equipamentos de iluminação pública de um município, por NOVOS equipamentos, sem a demonstração de melhoria na eficiência energética dos novos equipamentos que pudesse justificar o gasto;

b) A aquisição de um helicóptero para a finalidade exclusiva de assegurar a locomoção de chefe do Poder executivo no perímetro urbano e em viagens de curta duração.

O que temos enfatizado nestes exemplos para a finalidade de uma reflexão sobre uma definição de despesa? A importância do elemento qualitativo sobre as escolhas que serão realizadas, para o fim de orientar a tomada de uma decisão sobre as prioridades. Quem realiza estas escolhas e possui posição preferencial para a definição das necessidades que poderão ser atendidas pela ação pública, em um contexto de escassez de recursos? Os chefes dos poderes executivo, municipal, estadual e federal.

Sendo assim, despesa pública poderia ser definida, EM SÍNTESE, como o atendimento no plano da realidade, de uma finalidade de interesse público previamente definida em um plano, a LOA, que por sua vez, representa o resultado de um arranjo organizado de planos que traçam diretrizes, objetivos e metas, no sentido de assegurar e viabilizar a seleção das despesas e das fontes de financiamento disponíveis ou à disposição do Poder Público.

Por outro lado, despesa representa, concretamente, proteção social, e o resultado das escolhas realizadas pelo Poder Executivo, ao definir as prioridades no âmbito do orçamento público, expõe para o Poder Legislativo, um programa contendo um determinado grau ou nível de proteção social que aquele gestor propõe para um determinado interstício temporal (um exercício financeiro, no caso da LOA, ou todo o mandato, no caso dos PPAs, conforme será analisado com detalhamento, posteriormente).

2. A apuração da despesa.

O que significa apuração da despesa? Quando se fala em apurar uma despesa, está se falando em um processo que começa na aquisição de recursos e termina em sua destinação para uma finalidade pública previamente assinalada pela Constituição [existem determinadas despesas que já são apontadas expressamente pela ordem constitucional. Não há liberdade para se decidir se o gasto vai ou não vai ser realizado nessa matéria, ou ainda, em que medida o gasto vai ser realizado. Exemplos: despesas com saúde e educação].

No entanto, apesar de o processo de destinação ser jurídico, tendo suas diretrizes impostas pelo Direito, a decisão de como o dinheiro será gasto, isto é, o que será priorizado, é uma decisão política.

3. A classificação das despesas.

3.1 A despesa na classificação doutrinária:

a) Despesas Ordinárias e extraordinárias: o critério utilizado aqui é o da PERIODICIDADE. Despesas ordinárias são as despesas que sempre estão apontadas no orçamento ano a ano. Estão, porque tais gastos são destinados a fazer o custeio de atividades e tarefas ordinárias do Estado, da execução de tarefas que não podem deixar de ser oferecidas e executadas pelos poderes públicos todos os anos. Fazem o uso de recursos ordinários [receitas ordinárias]. Despesas Extraordinárias são despesas que decorrem de atividades ou tarefas extraordinárias, que NEM SEMPRE têm que ser realizadas. Estão sustentadas, portanto, em receitas extraordinárias. Receitas que não decorrem de atividade regular de obtenção de recursos; receitas extraordinárias;

b) Despesas federais, estaduais e municipais: o critério aqui é o da COMPETÊNCIA constitucional. Despesas federais são as despesas decorrentes das tarefas da União. Quais são elas? Aquelas traçadas no artigo 21 da Constituição Federal. O mesmo se verifica com as despesas estaduais e as municipais. As estaduais são aquelas decorrentes das tarefas indicadas no artigo 25. São despesas residuais. Todos já devem ter verificado ou o farão, mas a técnica de distribuição das competências no Estado federal brasileiro concentra poderes na União [poderes enumerados são da União] e reserva as residuais aos Estados. Os municípios possuem competências expressas e são aquelas do artigo 30. O critério é frágil, porque há despesas que NÃO SÃO EXCLUSIVAS de qualquer um dos entes. Temos competências comuns, que estão no artigo 23 [competências administrativas]. Aqui todos atuam de forma cooperativa. As despesas são repartidas entre vários entes. Não vamos entrar em detalhes neste momento por ser matéria de análise do Direito constitucional. O que interessa nesta oportunidade é fixar que o critério é frágil porque a ordem constitucional admite despesas realizadas em comum pelos entes da federação. Portanto, não temos APENAS despesas exclusivas de um ou de outro ente da federação;

c) Despesas produtivas, reprodutivas ou improdutivas: aqui o critério é o da FINALIDADE das despesas. Nessa leitura, temos as despesas PRODUTIVAS, que se limitam a criar utilidades ATRAVÉS DA ATUAÇÃO ESTATAL. Exemplos desta classificação são as despesas relacionadas à atividade policial e jurisdicional. As REPRODUTIVAS implicam em AUMENTAR A CAPACIDADE DE PRODUÇÃO. Temos aqui despesas com a construção de escolas, estradas, hidrelétricas. As despesas IMPRODUTIVAS estão relacionadas a despesas que não correspondem a qualquer utilidade. O principal exemplo aqui é o gasto despendido pela União, Estados, Distrito-federal e municípios, com a manutenção de obras abandonadas.

A crítica aqui se dirige para o que se entende pela referência semântica de utilidade. O que não há, de fato, é a conversão desses gastos com comodidades para a coletividade. Mas sendo gasto público, não se pode considerar inútil. Todo gasto se faz porque foi autorizado por lei e porque possui uma finalidade programada antecipadamente. Entretanto, nem todo gasto atende a utilidades ou comodidades para a coletividade. Neste sentido, e somente neste sentido, uma determinada despesa não poderia ser considerada útil, porque toda despesa cumpre uma finalidade. Não fosse assim, não se teria despesa pública.

d) Despesa-compra e despesa-transferência: O critério aqui é o ECONÔMICO. A primeira é aquela realizada para a aquisição de produtos ou de serviços (exemplos são o pagamento da folha de vencimentos dos servidores públicos, e a aquisição de bens de consumo). A segunda é aquela que não corresponde a aplicação governamental direta, limitando-se a criar rendimentos aos indivíduos, sem qualquer contraprestação destes (subvenções, subsídios e quaisquer outras formas de auxílio financeiro). Temos aqui a simples transferência de poder de comprar para o particular, nada adquirindo. Tal critério, além de não possuir rigor técnico, não nos é relevante, vez que é baseado na ciência econômica, assunto que não diz respeito ao nosso objeto, que deve ser jurídico.

3.2 Na Lei n. 4.320/64:

a) Despesas correntes e despesas de capital: este é o critério da Lei n. 4.320/64, reproduzido no texto de seu artigo 12, sendo este o critério JURÍDICO de classificação das despesas.

Despesas Correntes são as despesas que abrangem o CUSTEIO e as TRANSFERÊNCIAS CORRENTES, representando as despesas vinculadas à manutenção da ação pública.

  • Entende-se por CUSTEIO: as dotações [vamos definir o que sejam dotações] para manutenção de serviços já criados, inclusive as destinadas a atender obras de conservação e adaptação de bens imóveis (§ 1º), abrangendo o custeio de pessoal, material de consumo, serviços em geral e encargos diversos;
  • As TRANSFERÊNCIAS CORRENTES são dotações reservadas para despesas que não decorrem de uma contraprestação direta em bens ou serviços, incluídas aqui as despesas para contribuições e subvenções para atender outras entidades de direito público ou privado (§ 2º). Aqui temos as subvenções para o custeio dos proventos de aposentadoria dos servidores inativos, pensionistas, o salário-família, contribuições da previdência social e outras, e os JUROS DA DÍVIDA PÚBLICA.

As despesas de capital abrangem INVESTIMENTOS, INVERSÕES FINANCEIRAS E TRANSFERÊNCIAS DE CAPITAL, compreendendo aquelas vinculadas ao aperfeiçoamento da ação pública.

  • Em primeiro lugar temos os INVESTIMENTOS, que correspondem às aplicações para o planejamento e execução de obras, equipamentos, instalações, material permanente, constituição ou aumento de capital de empresas ou entidades INDUSTRIAIS OU AGRÍCOLAS (§ 4º).
  • AS INVERSÕES FINANCEIRAS (§ 5º) são as dotações destinadas à AQUISIÇÃO de imóveis, participação em aumento ou constituição de capital de empresas ou entidades COMERCIAIS OU FINANCEIRAS, aquisição de títulos representativos de capital de empresas em funcionamento, constituição de fundos rotativos, CONCESSÃO de empréstimos e diversos);
  • AS TRANSFERÊNCIAS DE CAPITAL abrangem as dotações para INVESTIMENTOS ou INVERSÕES FINANCERIAS que OUTRAS pessoas de direito público ou privado devam realizar, independente de contraprestação direta em bens ou serviços, bem como as dotações para AMORTIZAÇÃO da dívida pública (amortização da dívida pública, auxílio para obras públicas, auxílio para equipamentos e instalações, AUXÍLIOS para inversões financeiras e outras contribuições) (§ 6º);

4. Elementos e execução das despesas públicas.

No setor público, ao contrário do privado, no qual os objetivos devem ser adaptados aos recursos existentes, primeiro se elegem as prioridades da ação governamental, para depois se identificar quais serão os meios de obtenção dos recursos.

A tomada dessas decisões representa escolhas de conteúdo político, na qual são eleitas prioridades em uma margem de liberdade controlada, pois há limites fixados pela lei [leis orçamentárias]. De outro modo, essas decisões se convertem em despesas segundo um encadeamento de atos conjugados, cuja finalidade última é o atendimento de demandas de interesse público e a satisfação dos interesses de uma universalidade, através da realização de despesas.

Sendo assim, não se realiza gasto público de forma livre, unilateral ou arbitrária, segundo as opções do chefe do Poder Executivo. Nesses termos, as despesas devem estar, primeiro, previstas e autorizadas em leis orçamentárias aprovadas pelos parlamentos, e, posteriormente, devem atender a um procedimento do qual depende sua realização, abrangendo o ato de seu surgimento até o ato de seu pagamento.

Muito embora este seja um tema que terá seu lugar próprio em nosso programa, alguns destes elementos já podem ser objeto de explicitação para o fim de permitir melhor compreensão do lugar da despesa pública nesse processo, que compreende um conjunto de ações coordenadas de planejamento.

5. Os orçamentos.

Apenas a título de informação para facilitar o entendimento do conteúdo, já que tal assunto será estudado co maior detalhamento em aulas posteriores, o orçamento é, em suma, o instrumento que contém a aprovação prévia da receita e da despesa para um período determinado. O procedimento de DEFINIÇÃO de uma despesa no âmbito de UM orçamento [já que temos pelo artigo 165, § 5º, incisos I, II e III, três orçamentos: o fiscal, o de investimentos, e o da seguridade social] pode ser definido da seguinte forma:

1º. Metas e despesas públicas: definem-se as metas de acordo com a política governamental, levando a definição das despesas;

2º. Recursos e receita: são apontadas as fontes dos recursos, as formas de sua obtenção, para o atendimento das metas.

3º. Aprovação parlamentar: as despesas devem ser então aprovadas pelo parlamento de cada entidade da federação, portanto, pelo Congresso Nacional, pelas Assembléias Legislativas, e pelas Câmaras de Vereadores;

4º. Orçamento anual: com a aprovação, define-se o orçamento anual (receitas e despesas), que deve estabelecer uma relação de conformidade com duas leis anteriores, a lei de diretrizes orçamentárias e o Plano Plurianual.

5º. Dotações orçamentárias: são as verbas constantes do orçamento que estão reservadas desde a aprovação da lei orçamentária, para a realização de uma determinada finalidade pública.

6. A discriminação da despesa na lei orçamentária

O que são dotações? Dotação orçamentária [ou verba orçamentária] é o recurso fixado no orçamento para atender às necessidades de uma despesa, de um órgão de Estado ou de um fundo.

Dotação é, portanto, uma parcela do crédito orçamentário que foi fixado para atender a um programa de governo, vinculada a um elemento de despesa.

IMPORTANTE: Conforme orientam os artigos 14 e 15 da Lei n. 4.320/64, a despesa deve ser discriminada por elementos, em cada unidades administrativa ou órgão de governo.

Elementos são desdobramentos da despesa, que devem ser vinculados a cada órgão ou unidade da Administração, tendo-se, por exemplo: pessoal, material, serviços, obras, ou qualquer outro meio que seja necessário para a realização de tarefas públicas pelo Estado.

7. Alguns requisitos para a realização das despesas.

Em primeiro lugar, conforme os incisos I e II, do art. 167, o texto constitucional veda que qualquer despesa seja realizada sem a prévia previsão orçamentária.

Temos, portanto, que a primeira condição para a realização de qualquer despesa é sua previsão na lei orçamentária anual, que é, por sua vez, a conseqüência de duas outras leis de programação. Não se gasta sem previsão legal, e não há despesa incompatível com a LDO e o PPA. Entre estes planos deve existir uma relação de compatibilidade vertical.

Não se quer dizer com isso que TODOS os gastos devam ser programados e que não seria possível realizar gastos não previstos. O orçamento é um instrumento de planejamento, de planificação, mas nem todas as ações de Estado podem ser planejadas ou previstas oportunamente. Existem tarefas excepcionais, extraordinárias que podem justificar que, mesmo não previstos, programados e planejados, gastos possam ser realizados.

De que exceções estamos tratando? Dos créditos especiais, extraordinários e suplementares, tratados pela lei n. 4320/64 como créditos ADICIONAIS. Estes créditos veiculam o gênero, de onde as espécies são os especiais, os extraordinários e os suplementares.

O que são créditos? Crédito orçamentário é toda DOTAÇÃO incluída no orçamento para atender a qualquer despesa do Estado. Se este crédito é insuficiente ou simplesmente não existe na lei orçamentária anual [porque a despesa não pôde ser prevista], créditos adicionais terão de ser ABERTOS, conforme a finalidade de tais despesas, nos termos do artigo 41, da Lei n. 4.320/64.

8. Os créditos adicionais

Estamos tratando aqui de dotações além das já previstas e reservadas em um orçamento aprovado pelo parlamento. Se o crédito for insuficiente ou não existir [porque a despesa sequer poderia ser prevista] poderão ser AUTORIZADOS créditos ADICIONAIS.

Conforme prevê o artigo 41, inciso I, da Lei n. 4.320/64, créditos SUPLEMENTARES são os destinados ao REFORÇO de dotação que JÁ EXISTE. Também estão previstos no artigo 165, § 8º e 167, inciso V, da CRFB.

Créditos ESPECIAIS são aqueles destinados para despesas que não possuem qualquer dotação orçamentária específica, conforme definido pelo artigo 41, inciso II e pelo artigo 167, §§ 2º e 3º, da CRFB.

Créditos EXTRAORDINÁRIOS são os destinados ao atendimento de despesas que não existem e não foram previstas porque SEQUER poderiam ser previstas. Temos aqui as despesas decorrentes de ações urgentes e imprevistas, como guerra, comoção e calamidade pública, sendo previstas no artigo 41, inciso III, da Lei n. 4.320/64 e pelo artigo 167, §§ 2º e 3º, da CRFB.

Tomemos alguns exemplos para ilustrar com mais clareza a hipótese específica a requrer cada modalidade de crédito:

a) Créditos suplementares: O Estado deve cumprir liminares para o fim de proporcionar acesso de alguns pacientes a medicamentos de alto custo. Como o Estado cumprirá esta ordem judicial? O custeio da despesa que será gerada será financiada pela abertura de crédito suplementar, uma vez que se trata de ação ordinária do Poder Público, prevista e programada na LOA. O programa para aquisição de medicamentos de alto custo existe, mas não há recursos suficientes para o financiamento das ações requeridas, as quais suscitam níveis de proteção adicionais àqueles previstos inicialmente na lei orçamentária anual. O mesmo ocorre com o custeio das ações de saúde em razão de epidemias. A aquisição de medicamentos suficientes para atendê-la supõe créditos suplementares, mas edificações, contratações temporárias supõem créditos extraordinários. Não se verifica a hipótese de créditos especiais, porque há aqui a visibilidade da urgência e da imprevisibilidade e, possivelmente, de hipótese de calamidade pública;

b) Créditos especiais: O Estado realizou concurso público para o provimento de cargos de defensor público, mas não nomeia os defensores neste ano, pretendendo fazê-lo apenas no próximo ano. Portanto, não há previsão orçamentária na LOA atual para a nomeação de defensores. Entretanto, o MP estadual ingressa com ACP requerendo que seja instalada a Defensoria na comarca de Colniza, diante da gravidade dos conflitos sociais e fundiários vivenciados pela população local. Como o Estado cumprirá esta ordem? Mediante a abertura de créditos especiais, uma vez que não há dotação para tal finalidade na LOA vigente, em razão de se pretender fazê-lo apenas no próximo exercício financeiro. O mesmo ocorre para o cumprimento de decisões judiciais que exigem a construção de creches, unidades de delegacias, instalação de estação de tratamento de resíduos em cadeia pública, pavimentação ou duplicação de vias públicas para o fim de ser reduzir a mortalidade nas estradas;

c) Créditos extraordinários: Catástrofes ou eventos que, diante de sua imprevisibilidade, requerem ação emergencial para sua remoção. Podem ser citados os desabamentos, enchentes e deslizamentos, a exigir intervenção no âmbito do financiamento público, através de créditos extraordinários. Despesas extraordinárias os requerem.

EM SÍNTESE: Toda despesa representa um ato vinculado e um ato consequencial. Não propõe, portanto, uma escolha plenamente livre, nem tampouco propõe uma possibilidade de atender a qualquer finalidade, assim como também não propõe ato do qual não resulte qualquer utilidade no plano de vantagens e benefícios universais (serviços públicos, prestações sociais, etc...). Sendo assim, se uma despesa representa um ato que somente pode ser praticado se pré-existente uma autorização legal, que deve expor a finalidade que deve ser atingida (os programas, ações e projetos relacionados na LOA aprovada pelo parlamento), os créditos adicionais propõem uma realidade na qual o uso dos recursos públicos somente será admitido se expuser o atendimento de uma finalidade previamente fixada, que foi objeto da consideração do parlamento, anuindo ou modificando a proposta inicialmente submetida pelo chefe do Poder Executivo.

Programado o conjunto de finalidades que pretende atingir em um interstício temporal determinado, se pretende realizar despesa não prevista inicialmente, estamos diante de duas realidades: a) a programação não previu a nova despesa que pretende ser realizada (uma obra pública, uma pista de boliche para associação privada, ou ainda, a aquisição de um helicóptero para facilitar a mobilidade urbana do chefe do Poder Executivo) e o gestor, dispondo de recursos, anula despesa para atendê-la. Aqui, faz-se o uso, portanto, de recursos que ainda estão ao alcance do próprio chefe do Poder Executivo. Créditos orçamentários, mas de forma distinta das finalidades aprovadas pelo parlamento. Neste caso, será possível expor situações de défice de recursos para a proteção de algumas finalidades de interesse social prioritárioas. Diante da carência, a correção desta distorção na decisão sobre alocação orçamentária poderia ser realizada mediante intervenção judicial. Não se trataria aqui de interferência não autorizada sob a margem de livre apreciação reservada ao chefe do Poder Executivo, ou à separação funcional do poder político. Também não se teria um quadro pelo qual o Poder Judiciário exigiria do Estado mais do que pode oferecer, senão de uma intervenção que visa corrigir a distorção no processo de decisão, para o fim de assegurar o maior equilíbrio possível na distribuição dos benefícios.

b) O gestor não mais dispõe de recursos e os requer para o fim de atender à nova despesa. Neste cenário, uma vez que os recursos não estão ao seu alcance, deverá solicitar ao parlamento autorização para fazer o uso de recursos de excesso de arrecadação, superávit financeiro ou anular uma despesa. Caberia ao parlamento o exercício de função de controle sobre as razões de justificação expostas pelo Poder Executivo. Se houve a aprovação da LOA, considera-se que teria sido realizada a programação sobre todo o conjunto de prioridades indispensáveis à ação pública naquele interstício temporal. Sendo assim, porque razão se estaria exigindo mais recursos? O que pretende atingir com estes recursos? Este teria de ser o conjunto de questões fixadas pelo juízo de controle, realizado no âmbito do parlamento, pois lhe cabe, após o exercício deste juízo, permitir o acesso do chefe do poder executivo a recursos que poderiam, em princípio, estar vinculados a outras despesas (no caso da anulação da despesa);

Qual é a fonte de tais créditos? Qual é a origem dos recursos para a execução dessas despesas que não foram contempladas previamente na lei orçamentária?

Só podem ter origem em SUPERÁVIT FINANCEIRO, EXCESSO DE ARRECADAÇÃO e ANULAÇÃO DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA (artigo 43, Lei n. 4.320/64).

Em relação aos créditos EXTRAORDINÁRIOS, sua autorização decorre de Medida Provisória (artigo 167, § 3º, CRFB).

Todo crédito adicional TAMBÉM depende de autorização legislativa, conforme prevê o artigo 167, inciso V, bem como, da indicação da fonte de recurso responsável por seu custeio.

Portanto, na hipótese em que uma determinada despesa não tenha sido prevista pela lei orçamentária, poderá ser realizada desde que sejam AUTORIZADOS créditos adicionais. A autorização é legislativa e a lei que AUTORIZAR a ABERTURA desses créditos, já deve INDICAR as FONTES dos recursos.

SÍNTESE: Podemos compreender os créditos adicionais sob a perspectiva de que as tarefas estatais que proponham proteção social supõem que esta proteção (cujos níveis são variáveis) dependem e decorrem necessariamente do grau de disponibilidade de recursos públicos. O nível de proteção que se pretende atingir, portanto, decorre e expõe estreita vinculação com a capacidade financeira do Estado. Quando o Estado não é capaz de assegurar a satisfação de necessidades básicas de uma universalidade, seja porque as instituições não podem proporcionar proteção suficiente, ou porque se verifica a ausência institucional, temos exposto o contexto de consideração dos créditos adicionais. Estes níveis de proteção social, ou esta proteção social dependem da identificação de fontes capazes de assegurá-los.

Duas são as causas capazes de justificar tais cenários de insuficiência ou ausência de proteção, que não foi possível de ser atingida pelo uso dos recursos disponíveis: a) a exaustão dos recursos orçamentários programados para o financiamento das despesas previstas e estimadas, ou, ainda, a hipótese de calamidade, que expõe cenário de ausência das instituições, ou de instituições incapazes de assegurar proteção porque foram atingidas por eventos imprevisíveis. Sob semelhante perspectiva de urgência, eventos de tal natureza justificam que os obstáculos sejam removidos ou superados com celeridade. Esta celeridade, entretanto, não imuniza o Poder Executivo da obrigação de requerer autorização legislativa e que aponte as fontes de recursos que proporcionarão o financiamento das despesas necessárias, que representam, em última análise, níveis de proteção adicional, ou proteção mínima que não foi atingida adequadamente pelo Estado, mesmo a partir do uso dos recursos disponíveis, seja porque riscos adicionais e imprevisíveis modificaram a programação originária, prejudicando os níveis mínimos programados e apontando níveis reforçados, seja porque riscos adicionais à proteção social, mas perfeitamente previsíveis, igualmente modificam a programação originária, requerendo ação adicional por iniciativa do Estado.

9. Outros aspectos relevantes para a realização das despesas, e que devem ser mencionados:

· a proibição de transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa, que consta do artigo 167, inciso VI;

· A proibição de concessão ou de autorização de créditos ILIMITADOS, que consta do artigo 167, inciso VII;

Como regra geral NÃO É POSSÍVEL vincular receitas de IMPOSTOS a qualquer despesa de órgão ou entidade da Administração Pública, conforme já tivemos a oportunidade de examinar (artigo 167, inciso IV, primeira parte).

Isso quer dizer que todas as receitas auferidas pelo Estado decorrentes da arrecadação de IMPOSTOS atendem a um conjunto indeterminado de ações e atividades, sem que sejam destinadas a qualquer ação ou tarefa específica, que tenha de ser realizada pelo Estado.

No entanto há cinco exceções a essa regra geral, impostas pela Constituição, expressas no próprio inciso IV, do art. 167, sendo as duas primeiras as mais relevantes para a nossa análise e que já foram mencionadas em aulas anteriores:

Ø em relação à despesa com o ensino: na forma do art. 212, caput, da CF “a União aplicará, anualmente, nunca menos de 18, e os Estados, Distrito Federal e Municípios 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferência, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.

Ø em relação à despesa para o financiamento da saúde: na forma do § 2º do art. 198.

Ø em relação à despesa para a realização de atividades da administração tributária: na forma do inciso XXII, do art. 37.

Ø em relação a prestação de garantia às operações de crédito por antecipação de receita: previstas no art.165, § 8º e no § 4º do próprio art. 167.

Ø em relação a repartição do produto da arrecadação dos impostos pertencentes aos Municípios no art. 158, e os que a União deve entregar conforme o art. 159;

Qual é a conseqüência da vinculação a essas despesas, para o efeito de realização do conjunto de despesas pelo Estado?

Estas despesas e, principalmente, aquelas vinculadas às ações de ensino e saúde, por serem vinculadas, devem ser as primeiras realizadas. Em seguida, o administrador deve efetuar o pagamento das despesas legais (como a remuneração dos servidores públicos), assim como o serviço da dívida pública, que não pode ser contingenciado. De outro modo, também deve prever o pagamento dos serviços públicos e efetuá-los.

Por conta da imposição de que o pagamento de todas estas despesas obrigatórias (vinculada, legal, serviço da dívida, previsão orçamentária dos serviços públicos) seja prévio e deva preceder qualquer outro gasto, tem-se, com clareza, restrições e variações à capacidade de se realizar despesas com investimentos pelo Poder Público, situação que reforça a necessidade da responsabilidade do chefe do poder executivo, na escolha de suas prioridades.

SÍNTESE REFLEXIVA:

O desperdício de recursos financeiros é nocivo ao interesse público, porque contribui, decisivamente, para que demandas existenciais não sejam atendidas ou o sejam de forma deficinete ou insuficiente.

Quando o gestor escolhe mal, destina mal os recursos que estão ao seu alcance, realiza despesas desnecessárias, que não consigam proporcionar os resultados úteis, ou, ainda, que não consigam proporcionar os resultados do modo mais econômico ou mais eficiente, estar-se-á diante de uma hipótese de vício na ação administrativa amplamente investigada pelo Direito público contemporâneo, denominada, desvio de poder, ou desvio de finalidade (“tresdestinação”).

O gestor que não consegue, por erro, negligência, insuficiência técnica, ou mesmo dolo, proporcinar uma relação proporcinal e equilibrada entre o que se pode ter (benefícios existenciais) e o que efetivamente se tem (recursos financeiros), não exerce a extensão de seus poderes adequadamente.

Conforme é examinado pelo Direito administrativo, o agente público atua apenas porque o pode e nos limites de uma autorização conferida pela ordem jurídica. Nesse caso, se no exercício desses poderes, o gestor falha ou não exerce os poderes com a suficiência requerida perante uma realidade sócio-econômica determinada, a função pública não foi atendida adequadamente.

Exemplos dessa realidade também podem ser descritos por meio de outros cenários, como aquele no qual os entes federativos não exploram todas as receitas tributárias que estão à sua disposição (contribuições de melhoria, v.g), não exploram as demais receitas que estejam ao seu alcance (receitas patrimoniais de seus bens imóveis), ou, ainda, quando instrumentos de controle e proteção do patrimônio público são flexibilizados. Este caso tem seu exemplo mais concreto na aceleração dos processos de contratação pública em virtude de obras da Copa do Mundo. A autorização arbitrária de dispensa de licitações para a execução de obras ou a flexibilização nos controles administrativos em benefício da celeridade, não favorecem a proteção do interesse público. Isso se deve em razão de o procedimento licitatório ser a principal garantia de que se poderá obter a melhor destinação possível e de que se poderá realizar a melhor escolha possível, de acordo com os recursos financeiros disponíveis.

Visando desenvolver a capacidade de se estabelecer relações sobre o tema, analisemos os seguintes problemas:

a) o que representa uma decisão pública de postergar a contratação de agentes públicos responsáveis por fiscalizar o cumprimento de regras sanitárias, de saúde pública, ambientais, urbanísticas ou mesmo tributárias, de trânsito e de extenso conjunto de atividades relacionadas ao cotidiano das sociedades contemporâneas? Ao contrário do que se possa considerar, possivelmente, uma decisão que postergue esta contratação não representa economia na geração de despesas correntes, senão uma fonte potencial de elevação de despesas de diversas ordens. Confira-se o exemplo de agentes responsáveis por fiscalizar a restrição de tráfego de veículos de elevada tonelagem nas vias públicas urbanas de determinado município. A ausência de fiscalização representa, a um só tempo, duas fontes de perda de receita diária. A primeira, decorrente da arrecadação de multas administrativas que serão geradas em decorrência do descumprimento da restrição (fonte de receita) e a segunda, decorrente de despesas adicionais que serão geradas em virtude da necessidade de reparos frequentes do piso asfáltico, que terá sua destinação severamente comprometida com a tolerância do acesso dessa modalidade de veículo. É conveniente ressaltar que, neste caso, a restrição ao tráfego tem sua justificação no interesse público e a ação de polícia representa, em última análise, o instrumento que o assegura. Que interesse está envolvido nesta relação e que demanda proteção? O interesse da coletividade na destinação eficiente e racional dos recursos públicos disponíveis, para o atendimento ótimo das demandas e das necessidades prioritárias que se fizerem necessárias, em um contexto de escassez. Neste caso, o não atendimento das restrições viárias e a omissão no controle da norma produz um cenário no qual os responsáveis pelo uso ilegal da via têm acesso a benefícios econômicos privados decorrentes desta omissão, mas não suportam do mesmo modo os prejuízos gerados pelo seu descumprimento. O piso asfáltico terá de ser reparado para o fim de permitir a mobilidade urbana e também para assegurar a própria continuidade deste aproveitamento, mas os responsáveis por suportar estes efeitos econômicos não serão aqueles beneficiários, senão toda a coletividade, mediante a destinação parcial dos recursos dos tributos arrecadados, para atender a esta finalidade. É visível, portanto, que a racionalização do uso dos recursos públicos em um contexto de escassez depende da qualidade das escolhas públicas e de comportamentos privados, decorrendo desta combinação, a capacidade de melhor atender ao conjunto de necessidades existenciais de uma universalidade de interessados.

b) A omissão na contratação ou no aperfeiçoamento de ações e de programas nas leis orçamentárias, que estejam vinculados a políticas públicas ambientais. A ausência de ações de fiscalização sobre o controle de emissões atmosféricas, sobre áreas com elevada probabilidade para a produção de focos de calor, sobre o uso dos solos urbano e rural, sobre a coleta e tratamento de resíduos sólidos no espaço urbano e a ausência de seu controle, mediante o exercício da ação de polícia administrativa (aplicação de multas e sua cobrança, em decorrência das infrações identificadas) compromete a destinação dos recursos para outras áreas nas quais se verificará aumento na despesa (saúde, recuperação dos danos em projetos de longo prazo, descontaminação de solos e de recursos hídricos, custos mais elevados para o saneamento ambiental). Portanto, a omissão em se prever a implementação de políticas ambientais resulta na insuficiência (ou na ausência) de fiscalização para o cumprimento da legislação ambiental (ou sanitária, v.g) e influencia a geração de despesas que serão suportadas, posteriormente, por toda a coletividade na forma da destinação de parte da receita tributária para o seu atendimento pelo Estado.

c) O que representa para o tema despesa pública, um cenário no qual 400 toneladas diárias de resíduos são produzidas e coletadas, independente de coleta seletiva ou programas públicos que viabilizem acesso à informação e incentivo para práticas de redução da capacidade de produção de resíduos? Esgotamento da capacidade de tratamento e destinação, subaproveitamento de espaços, perda de oportunidade de geração de receita e de diminuição de despesas com a diminuição do volume coletado e tratado, despesas com transporte de resíduos, potencial de produção de danos a ensejar a geração de novas despesas. Neste contexto, não tratar resíduos é uma escolha possível? Se não é, a escolha dos processos de tratamento dos resíduos, sob o plano da eficiência (que também requer eficiência e racionalidade orçamentária) requerida pelo artigo 37, caput, da CRFB, pode ser admitida como uma escolha plenamente livre ao alcance do gestor público?

Exercícios programados:

· A contratação de mais de 1.000 professores pela Secretaria Estadual de Saúde para o fim de atender à necessidade emergencial nas unidades de ensino estaduais em período eleitoral;

· Distinguir três situações para o fim de examinar os créditos adicionais no contexto da despesa pública: a) a necessidade emergencial de aquisição de medicamentos de alto custo e as escusas para atrasos em sua disponibilidade; b) o estado de calamidade pública em municípios nordestinos em razão de cheias extremas; c) os custos adicionais para as ações públicas no domínio da saúde, vinculadas ao combate à dengue;

Reflexão sobre a qualidade das despesas públicas no âmbito da Copa do Mundo, diante dos procedimentos de dispensa de licitação; Reflexão sobre o tema: “Os custos sociais do exercício da cidadania.”

Indicações bibliográficas

CONTI, José Mauricio. (Coord.). Orçamentos públicos. A Lei 4.320/1964 comentada. São Paulo: RT, 2008.

CREPALDI, Sílvio et al. Direito financeiro: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

FURTADO, J. R. Caldas. Elementos de direito financeiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de direito financeiro. São Paulo: RT, 2006.

PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica. O significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: RT, 2005.

PINTO, Antônio Luiz de Toledo et al. Código Tributário, Processo Civil e Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

Aula 7

AULA 7



Tema: Receitas não-tributárias. Compensações financeiras.



1. O uso dos recursos minerais e de potenciais hidráulicos como fontes de receita.



Já foi dito quando analisamos as receitas que derivam da CIDE, que toda a atividade sobre a pesquisa e lavra de petróleo, gás natural e qualquer hidrocarboneto fluido encontra-se sujeita a monopólio atribuído à União (artigo 177, inciso I, da CRFB);


Quando se tem monopólio, não se está dizendo que os bens pertencem à União, nem que o serviço público explorado é da União, mas sim que atividades econômicas sobre alguns bens estão atribuídas com exclusividade à União. Isso se deve, porque, conforme será estudado posteriormente, em Direito administrativo, o regime de propriedade sobre os recursos minerais comporta três formas de apropriação: uma pública sobre os próprios recursos e sobre o subsolo (União); uma privada, que é a do titular do domínio sobre o solo e que tem direito à participação nos lucros, ou de ser compensado pela exploração realizada por terceiro; e outra privada, sobre o resultado da exploração, quando esta é concedida pelo Poder Público, conforme consta do artigo 176, da CRFB.


Os povos indígenas também têm o direito de participação no resultado econômico, quando autorizado pelo Congresso Nacional e após audiência dos povos indígenas (artigo 231, § 3º, CRFB).



Temos que visualizar aqui duas situações distintas:


a) Cabe à União explorar os SERVIÇOS e as INSTALAÇÕES (bens) de energia elétrica (artigo 21, inciso XII, da CRFB);
b) Pertencem à União todos os potenciais energéticos de energia hidráulica (artigo 20, inciso VIII) e os recursos minerais, inclusive os do subsolo (artigo 20, inciso IX);
c) A atividade econômica decorrente dessa exploração (que não é serviço público) encontra-se sujeita a regime de monopólio. Só o Estado e, mais especificamente, a União, pode desenvolvê-la, sobre as seguintes atividades: pesquisa e lavra de petróleo, gás natural e hidrocarbonetos fluidos;



A exploração de seus bens, sempre que não estiverem destinados ao atendimento de funções (bens de uso especial e os bens de uso comum do povo) constitui potencial fonte de receita e deve ser explorado por seu titular, Poder Público, para obter recursos financeiros;



2. Os potenciais hidráulicos.



Quando se trata da exploração de potenciais hidráulicos [bens públicos, atribuídos à União, conforme já referido], tem-se a seguinte situação: o bem é da União, que pode conceder ou autorizar a sua exploração a terceiros. Estes, quando o fazem, devem pagar aos entes federados onde estão situadas as instalações energéticas, ou que tenham sido invadidas pelas águas do reservatório destinado a produzir energia elétrica [por usinas ou PCHs], porcentual de 6,75% sobre o valor da energia produzida (artigo 17, § 1º da Lei n. 9.648/98, com a redação atribuída pela Lei n. 9984/2000).

Esse percentual ainda é repartido da seguinte forma: 6% destinados aos entes da federação e a órgãos da Administração Direta da União e o restante reservado ao MMA (artigo 17, § 1º da Lei n. 9.648/98, com a redação atribuída pela Lei n. 9984/2000).


A mesma Lei n. 9.984/2000 previu a seguinte forma de distribuição da receita: do total de seis por cento, teriam de ser repartidos, mensalmente, da seguinte forma (artigo 29):


a) 45% para os Estados (considerando-se também o Distrito federal);
b) 45% para os Municípios (considerando-se também o Distrito federal);
c) 4,4% ao MMA;
d) 3,6% ao MME;
e) 2% ao MCT;


Isso se deve, porque os setenta e cinco centésimos somente podem ser destinados ao custeio das seguintes atividades (artigo 22, incisos I e II, da Lei n. 9.433/97):



“Art. 22. Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados:
I - no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos;
II - no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.”



Esse percentual que ingressa no patrimônio público de União, seus órgãos, Estados, Distrito federal e municípios é tratado pela lei como compensação financeira e pela CRFB na condição de participação (artigo 20, § 1º).

Trata-se aqui, de compensação pelo uso do bem público “recursos hídricos”;

O professor Régis Fernandes de Oliveira trata da compensação sob duas perspectivas: uma compensação pelo uso dos recursos e uma partilha dos recursos entre os entes da Federação, que seria em seu juízo, a compensação financeira.


3. Os recursos minerais, o petróleo, gás natural e os hidrocarbonetos fluidos.



Como também se procede em relação aos potenciais hidráulicos, temos que os bens (recursos minerais) são de domínio da União (artigo 20, inciso IX, CRFB), mas podem ser explorados por concessão ou autorização de seu titular, a União, assegurando-se àquele que tem o domínio sobre o solo, participação nos resultados dessa exploração por terceiro (artigo 176, caput, CRFB);



Quando se fala em compensação ou participação neste caso, está se falando dos royalts pela exploração, que são distribuídos da seguinte forma:


a) Como regra geral, tem-se que o valor da compensação financeira é o de três por cento sobre o valor da venda do produto mineral antes de sua transformação industrial (artigo 6º, da Lei n. 7.990/89);
b) o artigo 7º, da Lei n. 7.990/89 fixou o percentual de cinco por cento do valor dos produtos extraídos (óleo betuminoso, xisto e gás), que seriam repartidos entre Estados produtores (setenta por cento), municípios produtores (vinte por cento) e municípios onde as instalações estivessem localizadas (dez por cento);
c) o artigo 49 da Lei n. 9.487/97, que criou a Agência Nacional do Petróleo (que também é de gás natural e biocombustíveis) modificou essa estrutura, prevendo a distribuição entre Estados (52,5%), municípios produtores (15%), municípios que sejam afetados por operações de embarque e desembarque (7,5%), 25% ao MCT, quando a exploração não ocorrer em plataforma continental. Quando ocorrer, teremos então: 22,5% aos Estados produtores confrontantes com a área de exploração; 22,5% aos municípios; 15% ao Ministério da Marinha; 7,5% àqueles municípios afetados por operações de embarque e desembarque; 7,5% a um fundo repartido entre Estados e municípios (já que não há territórios federais, hoje) e 25% ao MCT (artigo 49, inciso II, da mesma lei);

Percebam que se trata de prestação que tem de ser entregue obrigatoriamente pelos particulares que exploram tais bens, resultam da exploração de bens públicos, são impositivas quando verificada a exploração, mas não constituem receita TRIBUTÁRIA (RE n. 228800/DF. Rel. Ministro Sepúlveda Pertence. DJU de: 16.11.2001).

Sendo apenas o resultado da exploração de bem público por particular, ainda que se tenha a obrigação da entrega dos valores, em nada desnatura a relação que se tem em qualquer serviço comercial, no qual a escolha pelo seu uso é do particular, não sendo o resultado de um ato de poder-dever do Estado, como ocorre nas relações de imposição tributária. Nesse sentido é a orientação firmada pelo mesmo Supremo Tribunal Federal, na ADI n.2586/DF, rel. Min. Carlos Velloso. DJU de: 01.08.2003. Se o objeto é o uso de bem público por particular, a natureza do pagamento não é tributária. Trata-se de receita não-tributária e, portanto, de preço público, e não de taxa, v.g.



4. O pagamento da compensação.


Os valores são recolhidos mensalmente e destinados à União, que deve reparti-los mensalmente entre todos os destinatários dessas receitas, porque conforme exposto, a relação estabelecida é apenas entre União e concessionário ou autorizatário, que, recebendo a receita, deve repassar parte da mesma para Estados, Distrito federal.

5. A natureza jurídica da compensação financeira e a distinção entre o simples uso privativo de bem público por particular

A compensação financeira propõe, na verdade, uma reparação pelo uso de um bem público, do qual decorre perda e decréscimo (mesmo que seja sobre sua qualidade) decorrente de atividade lícita. Percebam que a reparação não decorre exclusivamente de dano oriundo de uma atividade lícita. Atividades lícitas, autorizadas pelo Poder Público podem gerar danos (podem ser, portanto, fontes de danos) e estes danos também devem ser reparados. A reparação aqui se dá na forma de compensação pelo uso que degrada a qualidade do recurso hídrico e pelo uso do recurso mineral, que além de degradar o espaço onde a atividade se desenvolve, diminui a disponibilidade do recurso, já que não é renovável. De outro modo, o uso desses espaços para o fim de exploração mineral também subtrai a capacidade que os entes federados teriam de obter receita por iniciativa de outras atividades econômicas que poderiam usar o mesmo espaço, que foi alagado por uma represa, ou que foi degradado por uma atividade minerária. Essa orientação foi muito bem posicionada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no mesmo RE n. 228.280, quando se afastou a natureza tributária das compensações financeiras do artigo 20, § 1º, da CRFB.