quinta-feira, 18 de outubro de 2012

AULA 6


AULA 6

Tema: As receitas não-tributárias e a teoria geral dos preços públicos.

Síntese dos conceitos da aula anterior.

         Na aula anterior, foi concluída a exposição do conjunto de princípios e regras (de proibição e imunidades), que condicionam e limitam o exercício do poder de tributar atribuído pela ordem constitucional brasileira, a cada um dos entes da federação.
NOTEM que se tratava, até aqui, de RECEITA PÚBLICA CORRENTE, e que veicula uma RELAÇÃO JURÍDICA, onde podem ser identificados DEVERES RECÍPROCOS. Um DEVER de exigir a obrigação, e um dever de PRESTAR objeto da obrigação. PORTANTO, o Estado tem o DEVER DE EXIGIR, e o particular, o DEVER DE ENTREGAR. Há um DEVER DE TRIBUTAR, e um DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS.
E NUNCA se esqueçam de que este DEVER de entregar DINHEIRO ao Estado só pode ter UMA FINALIDADE: atender a um conjunto de NECESSIDADES PÚBLICAS, que podem ser SERVIÇOS PÚBLICOS (EM GERAL), mas podem também representar intervenção no domínio econômico, e exercício do poder de polícia.
Na aula anterior, examinamos os princípios que limitam a atividade tributária, compreendendo todas as formas em que ela é exercida, com ênfase especial para dois deles: o da capacidade contributiva, e a proibição de tributação com efeito confiscatório, pois estabelecem relações diretas com a necessidade de se PROTEGER da AÇÃO ESTATAL, ou melhor, com os EFEITOS DAS AÇÕES ESTATAIS, um MÍNIMO EXISTENCIAL, que supõe que a ação estatal não pode COMPROMETER A HIPÓTESE DE QUE SE TENHA AS CONDIÇÕES INDISPENSÁVEIS PARA UM MÍNIMO DE QUALIDADE DE VIDA.
O objetivo desse conjunto de restrições e condicionamentos é o de não permitir que o homem seja reduzido à condição de objeto ou como mero efeito da ação estatal. A ação estatal deve assegurar que o homem possa usufrui e ter acesso pleno a um conjunto de realidades que seja indispensável ao desenvolvimento de seu projeto existencial, de forma digna e decente. Não se pode ter como o resultado da ação estatal a destruição destas realidades existenciais.
Na Alemanha, a referência de mínimo existencial está vinculada a garantias como o salário mínimo ou a renda mínima, que é aquela abaixo da qual algumas prestações não podem ser atingidas, como saúde, educação, moradia, lazer (vejam, em nosso caso, da CRFB, o texto do artigo 7º, da CRFB).
         Nesta aula, detalharemos outras possibilidades de financiamento da ação pública, que não se identificam a uma relação de coercibilidade ou impositiva, como são aquelas que caracterizam as receitas derivadas, donde as tributárias constituem sua representação mais expressiva.
Se até o momento ficou visível, com mais clareza, uma realidade pela qual um modelo de Estado que precisa satisfazer necessidades existenciais de toda a coletividade intervém nas liberdades econômicas, sob determinados limites e condições, para o fim de se obter recursos (receita), nesta oportunidade, os recursos destinados ao financiamento de tais ações não decorrem de uma relação de compulsoriedade na colaboração coletiva.
Estes recursos, que serão examinados na ocasião, decorrem, geralmente, da entrega de recursos relacionados a relações jurídicas de direito privado da qual o Estado participa como sujeito, explorando os seus bens quando estão disponíveis para esta finalidade, e obtendo do resultado dessa exploração, receita pública.
Temos como objeto desta aula a descrição das principais formas de obtenção destas receitas, denominadas não-tributárias, e que também descrevem sob a perspectiva da lei n. 4.320/1964, a exemplo das receitas tributárias, receitas correntes.
As receitas não-tributárias são destinadas ao atendimento da manutenção e permanência das atividades administrativas indispensáveis à execução da ação pública. Não temos, aqui, tal como já verificado com as receitas tributárias, arrecadação orientada para o fim de aperfeiçoar a ação pública, visando o custeio de investimentos ou a ampliação de infraestrutura. Por tal razão, a exemplo das receitas tributárias, as não-tributárias envolvem receitas correntes, mas na modalidade de receitas patrimoniais. Esta referência já nos permite visualizar a fonte de obtenção de tais recursos, e a distinção entre as fontes e as características de tais receitas em relação àquelas priorizadas até este momento.
As receitas tributárias supõem compulsoriedade na colaboração da coletividade para com o Estado, visando financiar as ações públicas, não ocorrendo o mesmo em relação às receitas não tributárias. Nestas, a relação de colaboração decorre da remuneração paga pelo particular, pelo uso ou acesso privativo de bem público. O resultado de semelhante conjunto de atividades é o objeto desta aula: receitas patrimoniais que visam, igualmente, assegurar a manutenção da atividade administrativa.
Para tanto, depois de situada a função das receitas não-tributárias na atividade financeira do Estado, sua distinção em relação às receitas tributárias, segue-se à análise de três grupos de fontes representativas de tais receitas patrimoniais, além de se propor a análise sobre a natureza jurídica da remuneração em comento.

          Estas podem propor: a) a alienação de bens públicos; b) o uso ou acesso privativo a bens públicos por particular e; c) a desestatização dos bens públicos.

1) A exploração do patrimônio público mediante a alienação de bens disponíveis.V

Lembremos das primeiras aulas relativas à classificação das receitas, onde pontuamos que receitas originárias têm origem no próprio patrimônio do Poder Público, e a partir de sua exploração (que se dá de forma comercial, segundo relações de direito privado), e principalmente imobiliário (mas não apenas imobiliário), o Estado pode obter renda. O ingresso dessa renda no patrimônio público é RECEITA PÚBLICA. Segundo a Lei n. 4.320, pode ser receita corrente (receita patrimonial) ou de capital (alienações de bens).
Toda vez que o poder público outorga ao particular o uso ou o acesso privativo de bem que constitui parte de seu patrimônio (atribuição do bem sob qualquer modalidade, seja por concessão, permissão, autorização, ou concessão de direito real), mediante pagamento, ou aliena parte de seu patrimônio (transferindo de forma definitiva o bem para o patrimônio privado), este ingresso deve ser considerado RECEITA.
No caso dos bens que integram o patrimônio da União, a Lei n. 9.636/98 contempla quatro formas de exploração do patrimônio público: aforamento, cessão, permissão de uso e alienação. Entretanto, o Código Civil não mais admite o instituto da enfiteuse, extinto pelo artigo 2.038.

OBSERVAÇÃO: A alienação de bem público (que é receita de capital, nos termos da Lei n. 4.320/64) deve ser PRECEDIDA de LICITAÇÃO, e na modalidade concorrência pública quando se tratar de imóveis, conforme previsto pelo artigo 17, da lei n. 8.666/93, exceto em hipóteses excepcionais, como a do artigo 18, § 6º, da Lei n 9.636/98:

Art. 18 [...]
[...]
§ 6o Fica dispensada de licitação a cessão prevista no caput deste artigo relativa a:
(Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
I - bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;
(Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
II - bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados), inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública e cuja ocupação se tenha consolidado até 27 de abril de 2006. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)”
            Outras hipóteses estão reguladas pela própria Lei de licitações, ao longo dos artigos 17 e 19, e são objeto de análise detalhada na disciplina Direito Administrativo. Interessa-nos neste momento, apenas saber que o resultado da atividade de exploração desses bens constitui receita pública, seja esta decorrente de alienações (receitas de capital) ou de outros usos remunerados pelo uso privativo de particular sem que implique a transferência definitiva do bem para o patrimônio privado (receitas patrimoniais, correntes).

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:
a) dação em pagamento;
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas “f”, “h” e “i”; (Redação dada pela Medida Provisória nº 458, de 2009)
c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;
d) investidura;
e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo; (Incluída pela Lei nº 8.883, de 1994)
f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
g) procedimentos de regularização fundiária de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976; (Redação dada pela Medida Provisória nº 458, de 2009)
h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam ocupações até o limite de quinze módulos fiscais ou mil e quinhentos hectares, para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais; (Incluído pela Medida Provisória nº 458, de 2009)
II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:
a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;
b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública;
c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica;
d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente;
e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades;
f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe;
g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 1o Os imóveis doados com base na alínea "b" do inciso I deste artigo, cessadas as razões que justificaram a sua doação, reverterão ao patrimônio da pessoa jurídica doadora, vedada a sua alienação pelo beneficiário.
§ 2o A Administração também poderá conceder título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis, dispensada licitação, quando o uso destinar-se: (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
I - a outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
II - a pessoa física que, nos termos da lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura, ocupação mansa e pacífica e exploração direta sobre área rural situada na região da Amazônia Legal, definida no art. 1o, § 2o, inciso VI, da Lei no 4.771, de 22 de setembro de 1965, superior a um módulo fiscal e limitada a áreas de até quinze módulos fiscais, desde que não exceda mil e quinhentos hectares; (Redação dada pela Medida Provisória nº 458, de 2009)
§ 2o-A. As hipóteses do inciso II do § 2o ficam dispensadas de autorização legislativa, porém submetem-se aos seguintes condicionamentos: (Redação dada pela Medida Provisória nº 458, de 2009)
I - aplicação exclusivamente às áreas em que a detenção por particular seja comprovadamente anterior a 1o de dezembro de 2004; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
II - submissão aos demais requisitos e impedimentos do regime legal e administrativo da destinação e da regularização fundiária de terras públicas; (Incluído pela Lei n] 11.196, de 2005)
III - vedação de concessões para hipóteses de exploração não-contempladas na lei agrária, nas leis de destinação de terras públicas, ou nas normas legais ou administrativas de zoneamento ecológico-econômico; e (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
IV - previsão de rescisão automática da concessão, dispensada notificação, em caso de declaração de utilidade, ou necessidade pública ou interesse social. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 2o-B. A hipótese do inciso II do § 2o deste artigo: (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
I - só se aplica a imóvel situado em zona rural, não sujeito a vedação, impedimento ou inconveniente a sua exploração mediante atividades agropecuárias; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
II – fica limitada a áreas de até quinze módulos fiscais, desde que não exceda mil e quinhentos hectares, vedada a dispensa de licitação para áreas superiores a esse limite; (Redação dada pela Lei nº 11.763, de 2008)
III - pode ser cumulada com o quantitativo de área decorrente da figura prevista na alínea g do inciso I do caput deste artigo, até o limite previsto no inciso II deste parágrafo. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
IV – (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.763, de 2008)
§ 3o Entende-se por investidura, para os fins desta lei: (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
I - a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, área esta que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que esse não ultrapasse a 50% (cinqüenta por cento) do valor constante da alínea "a" do inciso II do art. 23 desta lei; (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
II - a alienação, aos legítimos possuidores diretos ou, na falta destes, ao Poder Público, de imóveis para fins residenciais construídos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, desde que considerados dispensáveis na fase de operação dessas unidades e não integrem a categoria de bens reversíveis ao final da concessão. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
§ 4o A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994).

§ 5o Na hipótese do parágrafo anterior, caso o donatário necessite oferecer o imóvel em garantia de financiamento, a cláusula de reversão e demais obrigações serão garantidas por hipoteca em segundo grau em favor do doador. (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)
§ 6o Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea "b" desta Lei, a Administração poderá permitir o leilão. (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)
§ 7o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
Art. 18. Na concorrência para a venda de bens imóveis, a fase de habilitação limitar-se-á à comprovação do recolhimento de quantia correspondente a 5% (cinco por cento) da avaliação.
Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 8.883, de 1994)
Art. 19. Os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por ato da autoridade competente, observadas as seguintes regras:
I - avaliação dos bens alienáveis;
II - comprovação da necessidade ou utilidade da alienação;
III - adoção do procedimento licitatório, sob a modalidade de concorrência ou leilão. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
           
           Os bens públicos obedecem à seguinte classificação, que é do Direito civil:

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.”
Nesse contexto, deve-se RESSALTAR que todos os bens públicos, exceto os dominicais (ou dominiais) estão vinculados ao atendimento de alguma finalidade pública, seja ela de USO COMUM, como as ruas, praças, praias, recursos hídricos, ou ao USO ESPECIAL, pelas sedes das instalações públicas. Esse fato aponta para distinções entre a noção geral de propriedade — que supõe o a capacidade de uso e disposição livre dos poderes de domínio sobre o bem, pelo seu titular — e a de propriedade pública.
O Código Civil brasileiro prevê que apenas podem ser alienados os bens públicos que não se encontrem vinculados a tais finalidades. Portanto, ou já devem ser dominiais ou dominicais, ou devem ter tido modificadas as suas destinações originais, mediante o ato de desafetação, que depende de lei. Não estando sujeitos à livre disposição no mercado, os bens de uso comum e de uso especial não podem ser perdidos pela prescrição aquisitiva (usucapião) e não podem ser alienados, conforme previsto pelos artigos 100 a 102, do Código Civil brasileiro.

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos à usucapião.

A propriedade pública difere, portanto, da propriedade particular, pelo vínculo de afetação e de destinação funcional dos bens, que devem atender a funções específicas, assim como toda propriedade deve atender, segundo prescreve a ordem constitucional brasileira, mesmo a particular.

IMPORTANTE: A apropriação dos resultados da exploração de seus bens, entretanto, não pode ser considerada lucro, como o que se obtém nas relações privadas, porque seu ingresso na condição de receita não atende a fins ou funções particulares, senão a necessidades públicas.

2) O uso e o acesso privativo de bem público por particular.

a) O estacionamento público

           Pode-se identificar algumas hipóteses de descrição do evento justificador da remuneração:
I. exercício do poder de polícia, garantindo que, pelo controle e pela fiscalização, todos possam usar, em alguma medida, o espaço destinado ao estacionamento: taxa de polícia (Geraldo Ataliba);
II. simples exploração pelo Estado de bem que se encontra sob o seu próprio domínio (bem público dominical ou dominial) e não exercício do poder de polícia: preço público (Maria Sylvia Di Pietro e Régis Fernandes de Oliveira);

IMPORTANTE: A orientação mais razoável parece ser aquela apontada pela segunda perspectiva, pela qual a simples exploração pelo Estado de seu próprio domínio não justifica a instituição de tributo, mas de preço público. ENTRETANTO, quando o USO PRIVATIVO é outorgado para o particular, na forma de concessão, permissão ou autorização sobre o BEM PÚBLICO, tem-se a instituição de tarifa, resultante do contrato mantido entre o poder concedente e o concessionário que irá explorar a obra pública, exigindo do particular a correspondente tarifa.

b) Pedágio

PROBLEMA: Preço público ou tarifa?
          A questão dirime-se a partir da análise da causa que pode justificar o pagamento pelo particular. Qual é a fonte do pagamento?
               I. O artigo 150, inciso V, da CRFB posicionou o pedágio como exceção exatamente porque não se trata de tributo, senão de PREÇO pago por particular para o uso de bem explorado pelo Poder Público, ou de TARIFA paga ao concessionário, na hipótese em que a exploração não se dá diretamente pelo Poder Público (Régis Fernandes de Oliveira);
            II. Sacha Calmon Navarro Coelho explica que o pagamento não pode ter a natureza jurídica de taxa porque de serviço público não se trata, mas de uso de bem público;
           III. O STF já reconheceu que o pedágio teria a natureza de TAXA, quando expuser hipótese de uso e de acesso compulsório (RE n. 181475/RS. Rel. Min. Carlos Velloso). A ementa é a seguinte:
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PEDÁGIO. Lei 7.712, de 22.12.88. I.- Pedágio: natureza jurídica: taxa: C.F., art. 145, II, art. 150, V. II.- Legitimidade constitucional do pedágio instituído pela Lei 7.712, de 1988. III.- R.E. não conhecido. (STF. 2. T. RE n. 181475/RS. Rel. Min. Carlos Velloso. DJU de: 25.06.1999. p. 28).

IMPORTANTE: 1
º) A compulsoriedade não é fixada sob a perspectiva do Poder Público, mas do usuário. O usuário não pode ter opção de uso ou alternativa entre utilizar ou não utilizar, sob pena de se ver subtraído de necessidades básicas para o livre desenvolvimento de uma vida digna;
            2º) A compulsoriedade pode ser também fixada e reconhecida expressamente pela Constituição, no caso do serviço de transporte coletivo, atribuído aos Municípios;
           3º) O pedágio não propõe o serviço de conservação das estradas, porque não é essa a comodidade específica posta à disposição do particular, senão o próprio acesso à via conservada, o assim chamado “liso do bem público”. De outro modo, também não se trata de cobrar pelos serviços disponibilizados ao longo da via conservada (guincho, emergência, telefones), nem pela obra. O que se cobra pelas melhorias decorrentes da obra é contribuição de melhoria. Paga-se não pelos serviços postos à disposição na via conservada, mas pelo próprio uso da via conservada. E aqui não se tem serviço público, porque o particular não tem uma comodidade resultante do desempenho de uma atividade material pelo Estado, razão pela qual não se pode justificar a cobrança de taxa;
Trata-se, portanto, de receita originária, ou ainda, de receita corrente, resultante da exploração do uso de bem do Estado, que se pode dar, pelo próprio Poder Público, mediante taxa ou preço público, ou por particular, mediante concessão, permissão ou autorização, remuneradas por tarifa;

c) O transporte coletivo
A CRFB de 1988 considerou o serviço de transporte na condição de serviço público (artigo 21, inciso XII, “d”, “e”) e de serviço público essencial (artigo 30, inciso V). O simples fato de se atribuir a um ente político o dever de exercer determinada atividade ou prestação já implica considerar que, sob a perspectiva do Estado, não há a opção de não fazê-lo. Está obrigado a tal prestação. Sob esta perspectiva, todo serviço PÚBLICO é compulsório. Assim não fosse não seria público. Desse modo, se se pretende analisar a compulsoriedade para o fim de distinguir o título jurídico da remuneração da atividade, o enfoque deve ser a partir do usuário, e não do Poder Público;
A remuneração de atividade prestada pelo Poder Público na condição de serviço essencial, como é o transporte coletivo de titularidade dos municípios, pode ser concedida? Para o professor Régis Fernandes de Oliveira, a resposta é negativa, sendo possível remunerá-lo, portanto, tão somente a partir de TAXAS, e não mediante tarifa.

d) O serviço de fornecimento de água e esgotos

Aqui, cabe mais uma vez uma digressão sobre qual é a fonte do pagamento. O que gera e justifica uma retribuição financeira. Quando se constrói a estação de tratamento, tem-se obra pública, e a melhoria imobiliária decorrente de tal obra é remunerada e exigível através de contribuição de melhoria. O próximo elemento material diz respeito ao fornecimento do serviço, que posto à disposição, sendo daqueles que não põe ao usuário opções sobre o seu acesso, deve-se considerar que tal serviço, se executado pelo Estado, deve ser remunerado por taxa. Se prestado mediante concessão de serviço público, tem-se TARIFA;

e) O serviço público de educação

A regra é a mesma, e tem-se a remuneração por TAXA se executada pelo Poder Público, e quando não estiver ao alcance de hipóteses de gratuidade definidas pela Constituição, como o ensino superior.
Entretanto, é interessante mencionar a ausência do elemento compulsoriedade (coação), presente, v.g, no caso do serviço de água e tratamento de esgoto, de modo que existe a opção pelo acesso ao serviço prestado por particular. E nem por tal razão, deixa de se ter taxa na remuneração que é paga pela execução do serviço pelo Poder Público. Esta circunstância expõe as dificuldades para se especificar critérios gerais para o fim de diferencias as taxas dos preços públicos.

f) As custas e os emolumentos

A orientação do STF as coloca sob a condição de TAXA, reconhecendo serviço público, prestado de forma divisível e identificado à prestação jurisdicional pelos órgãos do Poder Judiciário.

g) A prescrição aquisitiva
Surge aqui uma divergência doutrinária (Ricardo Lobo Torres), e que pode ser reforçada pela classificação fixada pela Lei n. 4.320/64, que aponta como receita pública apenas o ingresso de DINHEIRO no patrimônio, sendo o próprio patrimônio não mais do que BEM PÚBLICO, que pode ser explorado para o fim de se obter RECEITAS PATRIMONIAIS, que são RECEITAS CORRENTES e ORIGINÁRIAS, exploração que se dá mediante o pagamento de PREÇO PÚBLICO.

h) Transporte aéreo, aeroespacial e infra-estrutura portuária
Todos esses serviços são considerados públicos e estão atribuídos à União, na forma do artigo 21, inciso XII, c, e f, da CRFB.
Régis Fernandes de Oliveira considera que o serviço prestado só pode ser remunerado por TAXA, mas o uso da infra-estrutura portuária, por implicar o acesso ao bem público, e não a serviço público, aponta para sua remuneração por PREÇO PÚBLICO.

i) Serviços e instalações nucleares.

A regra aqui deve levar em consideração a condição de monopólio, de modo que estão atribuídos à exploração da União, na forma do artigo 21, inciso XXIII, da CRFB, sendo explorados pelo próprio titular do serviço. Na hipótese das instalações, por se tratar de uso de bem público, ter-se-á de acordo com a orientação já firmada até agora, PREÇO PÚBLICO.

j) O serviço postal

O serviço público, também da União (artigo 21, inciso X, da CRFB) é prestado por empresa pública, e deveria sê-lo, segundo a regra até agora aplicada por TAXA;
A REGRA É A MESMA PARA: os serviços de radiodifusão sonora, sons e imagens e serviços de telecomunicações (artigo 21, XII, da CRFB), de telefonia, energia elétrica e telegrafia (artigo 21, inciso XI), ficando claro neste segundo conjunto, principalmente em relação à energia elétrica, que se trata de serviço cuja compulsoriedade deriva da ausência de opção da parte do usuário, sendo remunerado, quando posto à disposição pelo próprio Poder Público, por TAXA. Na hipótese de concessão, por TARIFA.


3) A privatização de atividades exercidas pelo Poder Público.

Trata-se de forma de desestatização de bens ou de atividades executadas pelo próprio Poder Público. Pode ter origem em:
a) alienação de sua participação em empresas estatais, transferindo o controle acionário para os particulares;
b) transferência da execução de serviços públicos explorados pela União ou por suas entidades da administração indireta e empresas controladas pelo Poder Público;
          Ambas as hipóteses encontram-se previstas no artigo 2º, § 1º, da Lei n. 9.491/97:

Art. 2º Poderão ser objeto de desestatização, nos termos desta Lei:
I - empresas, inclusive instituições financeiras, controladas direta ou indiretamente pela União, instituídas por lei ou ato do Poder Executivo;
II - empresas criadas pelo setor privado e que, por qualquer motivo, passaram ao controle direto ou indireto da União;
III - serviços públicos objeto de concessão, permissão ou autorização;
IV - instituições financeiras públicas estaduais que tenham tido as ações de seu capital social desapropriadas, na forma do Decreto-lei n° 2.321, de 25 de fevereiro de 1987.
V - bens móveis e imóveis da União. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 2001).
§ 1º Considera-se desestatização:
a) a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade;
b) a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade.
c) a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos termos desta Lei. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 2001)
Na primeira hipótese, temos a PRIVATIZAÇÃO stricto sensu e na segunda, simples hipótese de concessão, permissão ou autorização para a execução de serviços públicos que antes eram realizados de forma direta pelo Estado, ou por suas empresas estatais (empresas públicas ou sociedades de economia mista).

4) A natureza jurídica da remuneração: as Taxas e Preços Públicos.

          Critério: O mais comum mencionado pela doutrina é o que distingue entre serviços essenciais e não essenciais. Os primeiros só poderiam ser executados pelo ESTADO e teriam de ser remunerados por TAXA, e os demais, por não comportarem tal exigência, poderiam ser por PREÇOS, escapando ao regime e às restrições que vinculam o exercício da atividade tributária.
O segundo remete à OBRIGATORIEDADE/COMPULSORIEDADE de seu fornecimento ou de seu USO (perspectiva do usuário).
Problemas com estas modalidades ocorrem quando verificamos que mesmos os serviços essenciais podem ser executados por PARTICULARES (SALVO O MONOPÓLIO, do artigo 177, da CRFB), e que o conceito de TAXA disposto na ordem jurídica brasileira, contempla a DISPONBILIDADE DO SERVIÇO, ainda de que não se faça uso, como causa suficiente para sua instituição.
Desse modo, parece-nos mais adequado trabalhar com a seguinte orientação:
a) Quando a atividade está situada na condição de SERVIÇO PÚBLICO pela Constituição, e principalmente se for daqueles privativos ou essenciais, não se pode EXIGIR A REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO, senão por TAXA. Sujeita, portanto, ao regime que orienta COMO se deve dar a ATIVIDADE TRIBUTÁRIA estatal;

b) Se a ATIVIDADE é SERVIÇO PÚBLICO (artigo 175) e é prestada DIRETAMENTE pelo ESTADO, estamos diante de TAXA;

c) Se é SERVIÇO PÚBLICO e é prestada por EMPRESAS ESTATAIS, considera-se ainda que temos aqui, TAXA. O prof. Eros Grau considera que é PREÇO PÚBLICO. É preço porque regulado por regras de mercado, e público porque não decorre, necessariamente, de relação contratual perante o Estado e quem presta a atividade. Ele considera que não há aqui CONCESSÃO. O prof. Régis considera que seja PREÇO sempre que houver a CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO. Eros Grau considera que não há, aqui, CONCESSÃO, mas simples DELEGAÇÃO E IMPUTAÇÃO do serviço público a ENTE da Administração indireta. Neste caso, CONCESSÃO é relação contratual. E não há contrato aí. Entretanto, a postura do prof. Régis é a mais comum nas obras. Observação: detalhes sobre tal divergência serão analisados oportunamente, na disciplina Direito Administrativo.

d) Se desenvolve ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO, portanto ATIVIDADE PÚBLICA, MAS NÃO SERVIÇO PÚBLICO (artigo 173), quando, por exemplo, explora os seus bens e patrimônio, está-se diante de PREÇO PÚBLICO, porque não temos mais REGIME DE SERVIÇO PÚBLICO. Estacionamentos, estradas mantidas pelo próprio Poder Público são exemplos dessa iniciativa.

e) Se é SERVIÇO PÚBLICO e prestado por particular, em regime contratual de concessão, permissão ou autorização, tem-se aqui TARIFA, que é arrecadada pelo particular e constitui SUA RECEITA e não do ESTADO.

SÍNTESE: Quando o particular tem de remunerar o acesso ou o uso do bem público, realizados de forma privativa, esta se dá na forma de PREÇO PÚBLICO, sendo o mesmo para a remuneração que decorra da alienação do bem público. Na primeira hipótese temos receitas correntes (patrimoniais) e na segunda, receitas de capital, supondo a transferência definitiva do bem público para o patrimônio particular.
As receitas decorrentes da exploração do PATRIMÔNIO do Estado, podem ser, portanto, RECEITAS DE CAPITAL ou RECEITAS CORRENTES, segundo a classificação da Lei n. 4.320/64.
A possibilidade de PAGAMENTO decorrente da exploração do patrimônio público está prevista pelo próprio artigo 103, do Código Civil brasileiro: Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.