quinta-feira, 31 de outubro de 2013

AULA 09



Tema: Os fundos financeiros


Até o momento, foi objeto de nossa consideração a descrição da capacidade estatal de financiamento da ação pública, com ênfase para as receitas tributárias, e como estes recursos à disposição do Estado se relacionam com as finalidades que precisam ser atingidas por tais ações, a saber, proporcionar níveis suficientes de proteção, por meio da oferta de uma extensa rede de proteção social, que é viabilizada por ações, serviços e investimentos.
 Receita e despesa foram assim analisadas até este momento, que se encerra com a análise de uma forma diferenciada de financiamento, pela qual se faz possível relacionar, de forma vinculada, fontes de financiamento com finalidades específicas, sempre visando ao atendimento de demandas de interesse público.
Em um segundo momento, fixadas as condições necessárias para a compreensão desta relação, o programa se ocupará da demonstração de como estas ações são planejadas e programadas, o processo de sua execução e os instrumentos de controle, através dos quais se procura assegurar que aquelas finalidades se manifestem, concretamente, na forma de transformações no plano da realidade existencial, proporcionando o pleno desenvolvimento das capacidades e potencialidades do homem, em uma sociedade ordenada por um modelo de Estado sujeito a complexas tarefas de proteção.
Passemos, neste contexto, à análise do tema proposto para esta ocasião, que compreende a descrição do regime de organização dos fundos financeiros.

1. Situando as despesas públicas no contexto da atividade financeira

                               O gestor não pode gastar (realizar despesas) de forma a atender seus desejos, suas opções unilaterais, ou seus caprichos. Os gastos públicos são sempre gastos autorizados, planejados e destinados a atender finalidades públicas.
Muito embora as escolhas sejam realizadas pelo chefe do Poder Executivo, suas escolhas são minimamente controláveis ou controladas. Primeiro pelo Poder legislativo, pela própria sociedade, pelos Tribunais de Contas e, posteriormente, pelo Poder Judiciário. Aqui temos a importância da noção de mínimo de existência ou mínimo existencial. O Estado não pode obter seus recursos de forma arbitrária, expropriando o particular; da mesma forma, não pode gastar de forma arbitrária. A atividade do Estado só existe para atender e cumprir finalidades, quais sejam, a de proporcionar um mínimo de existência para todos os particulares, que são destinatários de prestações desse Estado.
O Estado só arrecada para destinar estes recursos e não para acumular. A noção não é de lucro, mas de aplicação de recursos e de receita. Este mesmo Estado deve obter recursos de modo a não afetar esse mínimo de existência e só pode gastar objetivando assegurar o acesso de todos a esse mínimo.
Temos, aqui, a dimensão dos serviços públicos e das tarefas apontadas diretamente a todos os entes da federação, nos artigos 21, 25 e 30 da CRFB.
Apenas para ilustrar este contexto, temos que, v.g, no quesito controle das escolhas orçamentárias, o prefeito não está autorizado a deixar tarefas públicas, que nos termos da CRFB devam ser realizadas pelos gestores públicos, sem concretização.
Nesse sentido, gastos com publicidade institucional, elevação de gastos com atividade pública, não podem ser justificados perante realidades nas quais serviços de pronto-atendimento, saneamento básico e ensino fundamental não são acessíveis ou são prestados de forma sistematicamente deficiente.
A importância de todos estes aspectos está na elaboração das propostas orçamentárias e dos planos diretores.

2.Conceito de fundos

                               Os fundos constituem objeto de interesse do Direito Financeiro, porque representam, sinteticamente: a vinculação ou a destinação de um conjunto de receitas/recursos públicos a uma determinada finalidade específica.
Na doutrina, fundo é qualquer patrimônio que tenha uma destinação específica.
O texto do artigo 71, caput, da Lei n. 4320/64 propõe a seguinte definição, tratando-os como FUNDOS ESPECIAIS, que são, em essência, fundos FINANCEIROS:

Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.
Elemento determinante do conceito: vinculação de uma receita a objetivos, tarefas, serviços, ou finalidades determinadas e específicas.
Como isto é possível, levando-se em consideração que o artigo 167, inciso IV da CF/88 proíbe a vinculação de receitas a órgão, FUNDO ou despesa, respeitadas as exceções que propõe no mesmo texto?
Note-se que a proibição diz respeito a IMPOSTOS, e não a TODAS as fontes de RECEITA PÚBLICA. Sendo assim é perfeitamente possível que a arrecadação por qualquer fonte não tributária, ou mesmo de outros tributos, principalmente taxas, possa ser vinculada aos fundos.
Alguns exemplos podem ser extraídos dos fundos de aparelhamento do Poder Judiciário e do Ministério Público, que contam, como fonte de receita, com parte da arrecadação das custas e emolumentos dos serviços judiciais e notariais. Outra finalidade ou destinação não lhes pode se dada, quando ingressam no fundo. Portanto, estes recursos só podem custear DESPESAS no âmbito dos próprios fundos já referidos, vinculando-se, deste modo, a ações e iniciativas de aprimoramento, modernização e melhoria das atividades meio e fim da função judicial e do Ministério Público.
Outro exemplo é o fundo de aparelhamento da Procuradoria-Geral do Estado, que conta, além de parte dessas receitas, com os honorários arrecadados nas ações em que o Estado é a parte vencedora.
Exemplo do que não se pode ter em termos de fundos: FETHAB: fundo que se destinaria a fazer investimentos em obras viárias e sua manutenção. Por que este fundo não se revela compatível com o que consta do artigo 167, inciso IV, da CRFB? Porque sua receita decorre de transferência de parte do ICMS arrecadado pelo Estado. Sendo receita de impostos a sua fonte, tem-se visível inconstitucionalidade material em sua manutenção.

3. As modalidades de fundos

a) Os fundos de destinação: Compreendem o conceito de fundos tratado até este momento. Seu fundamento também é constitucional e pode ser constatado no texto do artigo 165, § 9º, inciso II, que reserva à lei complementar a disciplina de sua organização:

Art. 165.
[...]
§ 9º - Cabe à lei complementar:

I- omissis;
II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.

b) Os fundos de participação: Temos aqui um segundo conceito de fundo, que compreende um pouco mais de detalhamento. Ainda há o elemento vinculação de um conjunto de receitas a uma finalidade, caso contrário não se trataria de fundo. Entretanto, os recursos não se destinam à reserva no âmbito da própria entidade federativa. Têm de ser transferidos para a gestão por outra entidade. São os fundos constituídos pela transferência de parte das receitas dos impostos da União, que, ARRECADADOS por aquele ente federativo, são repassados, em parte, para Estados e municípios. Esses repasses FORMAM fundos (de participação dos Estados, quando a estes se destinam, e dos Municípios, em idêntica hipótese). A repartição dessa arrecadação se faz segundo critérios estabelecidos pelo Tribunal de Contas da União, conforme se apontará na sequência. Seu fundamento também pode ser identificado na CRFB, estando relacionado à seção da repartição das receitas tributárias, regulada entre os artigos 157 e 162.

IMPORTANTE: Os fundos de participação constituem exceção à regra do artigo 167, inciso IV, da CRFB. Nesse dispositivo consta a proibição de vinculação de IMPOSTOS a fundos. São constituídos, por expressa previsão constitucional, por IMPOSTOS, pela receita de parte de IMPOSTOS, que é transferida para REPARTIÇÃO posterior entre Estados e Municípios, após terem constituído os FUNDOS DE PARTICIPAÇÃO.

Os fundos de participação, portanto, SEMPRE possuem natureza tributária. Os de destinação PODEM ter ou não natureza tributária, mas geralmente agregam o resultado da arrecadação de DIVERSAS FONTES.
Esse fundos (os de participação) podem ser previstos em lei, pela própria Constituição (Fundos de Participação dos Municípios e dos Estados, v.g, e os demais fundos de desenvolvimento das Regiões), ou terem sido recepcionados pela Constituição à data de sua promulgação, mediante ratificação pelo Congresso nacional (artigo 36, do ADCT).
Os fundos DEVEM ser criados por lei? Na verdade o que propõe o artigo 167, inciso IX, da CRFB é uma restrição relacionada ao ato de sua criação, vinculando-o a uma autorização legislativa. Do mesmo modo que uma despesa deve ser AUTORIZADA POR LEI, o mesmo ocorre com os Fundos. A regra requer que a CRIAÇÃO do FUNDO seja AUTORIZADA POR LEI, mas não que o ATO DE INSTITUÇÃO DO FUNDO seja necessariamente um ato legislativo;

4.Regras gerais para a formação e controle dos fundos (artigo 71 a 74 da Lei n. 4.320/64)

a) Identificação das receitas que formarão os fundos no ato de sua criação (artigo 71);

b) Vinculação dessas receitas a ações, tarefas e serviços específicos;

c) Aplicação dessas receitas não pode ser distinta das indicações constantes da lei orçamentária anual (artigo 71). Leis específicas ou a Constituição autorizam a constituição dos fundos, mas estas regras não podem deixar de guardar compatibilidade com as regras de planejamento já definidas na lei orçamentária, e na LDO;

d) As receitas podem ser vinculadas a uma finalidade temporal ou não. Caso não sejam, o resultado pode ser transferido para o próximo exercício financeiro, PARA AS MESMAS FINALIDADES. Não se tem retorno dos recursos para a conta única do ente público. Só podem estar destinadas e vinculadas tais receitas, às finalidades para as quais seu uso/aplicação foi instituído (artigo 73);

e) O controle desses recursos e sua prestação de contas podem observar regras alternativas, mas não subtraem o exercício dos controles interno e externo do próprio Poder Executivo, do Poder Legislativo e dos Tribunais de Contas (artigo 74).

5.Os fundos de participação

O fundamento constitucional é o artigo 159, I, ‘a’, e ‘b’, da CRFB, compreendendo a repartição do resultado da arrecadação do IR e do IPI, da seguinte forma:

Art. 159. A União entregará:
I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 55, de 2007)
a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;
c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;
d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;

PORTANTO, temos a seguinte distribuição:

a) 21,5% para o Fundo de Participação dos Estados (FPE);

b) 22,5% para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM);

Como é realizada a repartição entre cada Estado e cada Município? Os critérios são definidos em LC, conforme exige o artigo 161, inciso II, da CRFB:

Art. 161. Cabe à lei complementar:
[...]
II - estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios;


IMPORTANTE: A LC n. 62/89 (artigo 2º) dispôs em relação aos Estados-membros e a LC n. 91/97 (artigo 1º), sobre a repartição no interesse dos municípios, prevendo que:

a) 85% para Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;

b) 15 % para Sul e Sudeste;

c) Coeficientes definidos segundo o número de habitantes e variáveis, segundo o artigo 91, § 2º, da Lei n. 5172/66;

Quem especifica o cálculo das cotas para cada Estado e município? O Tribunal de Contas da União, conforme aponta o artigo 161, Parágrafo único, da CRFB:

Art. 161 [...]
Parágrafo único. O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o inciso II.

REFLEXÃO: Fundo de Participação dos Municípios, criação e emancipação de municípios, capacidade de investimento e fontes de arrecadação.

6.Os fundos de destinação

Como regra geral, o conceito de fundos compreende os fundos de destinação. A lei os pode autorizar em todas as unidades da federação, para as mais diversas finalidades, conforme já se descreveu anteriormente, sendo possível, ainda, que tenham origem na ordem constitucional. Neste sentido, a CRFB os prevê, basicamente, através dos Fundos de Desenvolvimento das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em seu artigo 159, inciso I, c, da CRFB:

Art. 159. A União entregará:
I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 55, de 2007)
[...]
c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;

Outros fundos também têm seu fundamento na Constituição, como:

a) FUNDEF, destinado ao ensino, prevendo que 60% de toda a receita destinada ao ensino deve ser destinada a este fundo (artigo 60, do ADCT, introduzido pela EC n. 14/96);

b) Fundo Partidário (artigo 17, § 3º, da CRFB);

c) Fundo de Erradicação da Pobreza (artigo 79, do ADCT, introduzido pela EC n. 31/2000);
Os fundos também propõem um instrumento que pode assegurar o financiamento da ação pública na conservação dos recursos naturais, vinculando e destinando modalidades de receita para o fim de se proteger o meio ambiente.
Esta alternativa, se proibida para o fim de se justificar um conceito de tributo ambiental, não obsta que o financiamento e a vinculação pretendida seja realizada através dos fundos financeiros.
Exemplos destas iniciativas podem ser descritos pelos seguintes fundos:

a) Fundo Nacional do Meio Ambiente (Lei n.7.797/1989);

b) Fundo Estadual do Meio ambiente (Lei complementar estadual n. 38/1995 e 232/2005);

c) Fundo Federal de Direitos Difusos (Lei n. 7.347/1985 e decreto federal n. 1.306/1994);

d) Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (Lei n. 12.114/2009).

7.A personalidade jurídica dos fundos

Os fundos não são órgãos, entidades ou pessoas jurídicas de Direito Público, não possuindo autonomia ou independência na condição de titulares de direitos ou obrigações. Sendo assim, sequer podem ser posicionados na condição de autores ou réus judicialmente, descabendo se falar em personalidade judiciária de fundos.
O CPC, em seu artigo 7º define capacidade para estar em juízo vinculada à capacidade para ser parte. É possível que entes despersonalizados, ou seja, que não podem ser posicionados na condição de pessoas, de titulares de direitos ou obrigações, possam ser representados em juízo. O próprio artigo 8º e 12 apontam essas hipóteses, mas são hipóteses de representação. Fundo não é pessoa, senão um patrimônio vinculado às pessoas jurídicas públicas, União, Estados, Distrito-federal e municípios e, sendo assim, estas são as partes com personalidade jurídica, sendo pessoas que podem estar em juízo.

8.A fiscalização dos Fundos

A responsabilidade é dos Tribunais de Contas, sendo do TCU apenas até o momento em que os recursos ainda não foram transferidos para os Estados e municípios (artigo 70, inciso VI, da CRFB);

9.A retenção e a vinculação dos recursos dos fundos

A questão suscitada neste ponto diz respeito à consideração dos artigos 160 e 167, § 4º, da CRFB e de se verificar se é possível que a União retenha recursos destinados aos Estados, Distrito Federal, sob o argumento de uso para as exceções contempladas nos incisos I e II, do mesmo artigo 160 (aplicação do mínimo em ações de saúde e ensino, e pagamento dos créditos perante a União e suas autarquias).
O que se pode permitir é o condicionamento da entrega dos recursos, vincular o repasse a um evento no futuro, como, v.g, a alocação dos recursos na LOA do próximo exercício, mas não se permite a retenção.
Exemplo: dívidas dos Estados com a contribuição previdenciária de empregados de empresas estatais, perante o INSS (Regime Geral da Previdência). É possível que se retenha o repasse dessas receitas para o FPE?
O artigo 167, § 4º, da CRFB também permite que se vincule (outra exceção para a proibição de vinculação de receitas de impostos) a receita dos impostos que tem que ser repartida entre Estados e municípios para o oferecimento de garantia à União, em relação a dívidas que os Estados e municípios possuam.

IMPORTANTE: Aqui não se tem, entretanto, condicionamento ou autorização de retenção. Apenas se faz referência à possibilidade de vincular essas receitas, de modo que o Estado, o Distrito Federal e o município, quando instados a prestar garantia, poderão OFERECÊ-LA, apontando as parcelas que lhes cabem na repartição para essa finalidade.