Tema: Receitas correntes e de capital. Receita pública tributária e a
definição das espécies tributárias.
Síntese dos conceitos da aula anterior.
Convém recuperarmos previamente, algumas premissas já expostas em aulas
anteriores:
a) A dignidade de vida é um objetivo que condiciona
as ações do Estado e dos particulares, e esta definição encontra-se sob um
processo de transformações e de alargamento. Sob esse contexto, o
desenvolvimento digno de vida requer que um conjunto de prestações existenciais
esteja disponível e acessível de forma isonômica e coletiva, em seus níveis
essenciais. Não se poderia, portanto, cogitar uma realidade digna na qual
pessoas são tratadas com objeto e aquém da condição humana (moradores de rua,
v.g), ou ainda, na qual não se garante a qualidade de recursos naturais
essenciais para a vida, como o acesso à água potável, qualidade do ar, e
equilíbrio climático;
b) O exercício da atividade financeira do Estado
expõe com maior ênfase uma realidade de interdependência e de indivisibilidade
entre todos os direitos fundamentais, pela qual, não é possível a proteção
autônoma das distintas dimensões dos direitos indispensáveis ao desenvolvimento
digno da pessoa;
c) O exercício da atividade financeira interessa a
cada um de nós e enfatiza, primeiro, a importância de um compromisso coletivo
com objetivos de interesse público, como pressuposto para a realização de um
projeto coletivo e digno de futuro. Em segundo lugar, enfatiza a importância de
um controle social sobre a qualidade das escolhas realizadas pelo Poder Público
para proteger os direitos fundamentais, e para viabilizar que a composição
desses direitos possa concretizar níveis mínimos de qualidade de vida para
todos.
Para
demonstrar essa forte relação estabelecida entre o exercício da atividade
financeira do Estado e a qualidade de vida da comunidade, podem ser utilizados
como exemplo, os serviços públicos de saúde e de manutenção das vias públicas.
Se o
Estado não realiza a manutenção periódica das vias públicas, as externalidades
(efeitos negativos) econômicas atingem diretamente o particular, pois lhe será
exigido realizar despesas com os prejuízos sofridos pelos veículos, destinando
parte de sua renda para ações que, em princípio, não lhes seriam exigíveis.
Quando o
Estado propõe a ação de reparo de danos no pavimento asfáltico como uma
alternativa para melhorar a qualidade de vida dos usuários da via pública, mas
não propõe medidas adicionais como, v.g, o controle do acesso de veículos de
alta tonelagem, ou ainda, a manutenção periódica do piso, a medida não terá
condições de proporcionar qualquer resultado útil naquele plano (qualidade de
vida). O resultado será exatamente o oposto, pois contribuirá para externar
cenário de uso irracional dos recursos públicos (desperdício), e por
conseqüência, a degradação coletiva da qualidade de vida. Os recursos serão
destinados para uma ação sem qualquer utilidade mediata ou imediata, em
detrimento de outras ações relevantes, emergenciais e das quais também se
depende para viver dignamente.
Quando o
particular perde renda em proveito dessa modalidade de despesa, está na
verdade, perdendo qualidade de vida, e assistindo à erosão da capacidade que
teria de, por meio de suas escolhas, atingir o seu projeto de vida digna.
Aqui cabe
uma digressão sobre como estados de indignidade podem ser corrigidos e sobre
como projetos dignos de vida podem ser atingidos. Em primeiro lugar, cumpre ao
Estado viabilizar de forma universal, as condições de plena eficácia de um
princípio de autodeterminação da vontade, pelo qual, a partir dessas condições
mínimas, o particular teria a capacidade de realizar suas escolhas e obter
níveis de bem-estar atuando no domínio privado e a partir do mercado.
Cumpriria, entretanto, ao Estado, corrigir as imperfeições e as falhas que
podem ter origem nessa ação privada e nessa relação estabelecida entre os
particulares, no âmbito de uma economia de mercado. O particular pode ter
condições de aperfeiçoar os níveis mínimos de proteção, de definir seu projeto
de vida, e de obter níveis de bem-estar e de felicidade diferenciados. Por
outro lado, o particular também pode não atingi-lo se não se encontram
acessíveis os níveis essenciais de prestações. Neste caso, conforme
analisaremos oportunamente, baseando-se em um dever estatal de proteção que
vincula todas as funções públicas, esses níveis não atingidos teriam de sê-lo
por meio de políticas públicas, ação legislativa ou ainda, por meio da
iniciativa dos tribunais.
Em
relação ao sistema de saúde temos que, se o particular não depende do uso dos
serviços oferecidos pela rede pública, esta circunstância não diminui os
efeitos nocivos sobre sua qualidade de vida, ou o interesse do particular na
qualidade da atividade financeira. Se não faz o uso da rede pública, verifica-se
mais uma vez, a realização de despesa privada para atender tarefas e prestações
que já lhes deveriam ser oferecidas. A realização dessas despesas privadas
destina, desse modo, recursos que poderiam viabilizar níveis de melhoria sobre
sua qualidade de vida.
A omissão
e a incapacidade do Estado em atender a prestações essenciais, ou a deficiência
na qualidade dessas escolhas pode produzir efeitos nocivos à qualidade de vida
de cada um, ainda que em um primeiro momento, esse cenário possa não ser tão
evidente.
Por fim,
para demonstrar a indivisibilidade entre os direitos fundamentais, podemos
expor outro direito de natureza social stricto sensu, o direito a
prestações de ensino de qualidade.
Visando
assegurar o atendimento e o aperfeiçoamento da qualidade nos níveis de
atendimento desse direito, o gestor público propõe em sua lei orçamentária
anual, um determinado programa que propõe como instrumento, a construção de
escolas, ampliação da rede instalada nos bairros, e a aquisição de equipamentos
de interesse da atividade pedagógica e educacional. Entretanto, o acesso às
unidades já existentes, além do acesso àquelas que ainda serão edificadas,
encontra-se visivelmente prejudicado pelo péssimo estado de conservação das vis
urbanas (e na zona rural). Dessa ausência de coordenação entre políticas
públicas resulta nítido prejuízo para o exercício do direito a níveis adequados
de ensino. Não se terá acesso a essas prestações unicamente porque as crianças
não conseguirão sequer chegar às unidades de ensino.
No mesmo
contexto, será igualmente prejudicado o acesso a níveis de ensino adequado se
as crianças não possuem acesso ao direito à alimentação adequada, em quantidade
e qualidade nutricional.
Assim,
fixadas as premissas já desenvolvidas nas aulas anteriores, podemos prosseguir
no estudo da primeira parte da relação jurídica que define a atividade
financeira do Estado, a qual supõe a resolução do problema das fontes de
financiamento das ações públicas.
A análise
do tema propõe uma aproximação da primeira fase da relação jurídica que define
o exercício da atividade financeira: a conversão dos recursos financeiros
disponíveis em despesas que sejam úteis para toda a coletividade. As receitas
públicas proporcionam o financiamento das ações públicas em benefício de uma
universalidade de interessados, razão que reforça a importância sobre a
qualidade das decisões sobre seu uso, sobre as escolhas para sua destinação, e
sobre o controle social. Os recursos existem apenas para a finalidade de
conversão em utilidades de interesse público. A atividade financeira
proporciona, portanto, a conversão de dinheiro disponível (receita pública) em
benefícios existenciais, em melhoria da qualidade de vida, e em níveis de bem
estar mínimos, que sejam essenciais para o desenvolvimento digno da vida.
O
exercício da atividade financeira do Estado visa, em última análise, assegurar
que o resultado da arrecadação converta-se em algum resultado útil, no
interesse de uma universalidade, e visando permitir que se tenha acesso
coletivo a um nível essencial desse conjunto de prestações.
Entretanto,
é suficiente que a atividade financeira proponha uma conversão aritmética entre
receita e despesa, e um resultado? A questão que deve ser exposta é: aquela
escolha sobre a destinação daquela modalidade de receita foi capaz de propor,
um resultado útil, um benefício ou uma vantagem? Se atingiu o resultado, ele
poderia ter sido atingido de forma mais econômica e eficiente?
Notem que
o resultado da relação é flexível e variável, pois a interação entre as receitas
e despesas dependerá de um determinado contexto de necessidades, de capacidades
econômicas, de demandas emergenciais, de uma realidade social e cultural, entre
outros aspectos externos, todos igualmente relevantes para influenciar o
equilíbrio dessa relação, e a intensidade da proteção que será exigida naquele
caso concreto.
Quem
propõe a medida dessa relação? Uma decisão do chefe do poder executivo,
entendida como ato final de um processo no qual vários atores colaboram,
inclusive a coletividade, por meio de audiências públicas, nas quais todos os
interesses que sejam relevantes precisarão ser identificados, fixados,
ponderados e considerados para justificar uma decisão sobre esta ou aquela
demanda, este ou aquele resultado, esta ou aquela intensidade.
As
demandas são identificadas no âmbito da sociedade e da realidade social. Se os
índices de criminalidade aumentam, detentos fogem dos estabelecimentos
prisionais, os focos de contaminação de determinadas doenças (dengue)
proliferam, alunos são mortos na porta de estabelecimentos de ensino ou
cooptados como reféns, as vias públicas estão cada vez mais degradadas, temos
aqui várias demandas que vão exigir um conjunto de despesas, e cada qual
distinta, com seu equivalente no plano das receitas.
O
problema suscitado aqui será também o da eficiência dessas escolhas e dessas
despesas. Tomemos o exemplo de campanhas educativas para conter os efeitos de
desmatamentos, campanhas educativas para conter o avanço da dengue, ou ainda,
operações “tapa-buracos” nas vias públicas. É possível visualizar algum
resultado útil no plano de vantagens e benefícios para a coletividade?
Se essas
escolhas são deficientes ou equivocadas, se houve dolo, ou erro, negligência do
gestor ao propor uma ação incompatível com o resultado pretendido, ou incapaz
de proporcionar resultados úteis, essas falhas em seu comportamento estarão ao
alcance dos órgãos de controle interno (e externo). Este tema, apesar de
relevante e conexo com o que discutimos agora, será examinado em aula
específica em nosso programa.
As
receitas de capital e as receitas correntes, que serão analisadas adiante
(conceito normativo) propõem uma forma de interpretação de realidades
econômicas para o fim de racionalizar o exercício da atividade financeira.
Ambas
propõem neste momento, a possibilidade de estabelecer conexões com uma
referência de nível essencial (ou mínimo de prestações). Se as receitas
correntes apontam as fontes de financiamento daquelas ações de Estado que não
podem ser interrompidas, ou ainda, a manutenção de um nível mínimo, que não
pode deixar de ser atendido pelo poder público (e por suas funções), as
receitas de capital expõem as fontes que viabilizarão o aperfeiçoamento da
capacidade estatal de atender e de proteger direitos fundamentais, ampliando
quantitativa ou qualitativamente sua margem de ação, em domínios ainda não
atingidos, ou naqueles já alcançados, corrigindo imperfeições e falhas, ou
assegurando que sua oferta se realize de modo adequado.
Receita
pública é, portanto, o ingresso ou entrada definitiva de recursos públicos que
deverão ser destinados, necessariamente, ao atendimento das tarefas atribuídas
ao Estado, como essenciais. É a receita pública o que responde pelos gastos
públicos, que são as despesas, e que só podem ter origem nas tarefas ou
necessidades públicas.
Receita
pública é ingresso de dinheiro, de forma permanente, no patrimônio estatal.
Esse ingresso pode ter distintas fontes e causas. Pode ser o resultado do
exercício de um ato de constrição sobre o patrimônio do particular, ou pode ter
origem em relações comerciais e de direito privado. Pode ter origem na
exploração de seus próprios bens e serviços, ou ainda, no resultado de sanções
ou de obrigações impositivas, ou em relações de Direito privado (negócios
jurídicos e relações sucessórias, v.g).
A receita
não pode ser identificada nem aos ativos, nem ao próprio patrimônio, nem a bens
ou aos direitos do Estado. O máximo que se pode ter é o ingresso ou a entrada
decorrente da exploração desses bens que integram o patrimônio do Estado, mas o
ingresso de patrimônio não pode ser considerado receita pública. Sua alienação
e retorno na forma de incremento patrimonial permanente, sim.
Sobre a classificação das receitas:
1. A classificação doutrinária.
a) Receitas ordinárias e extraordinárias (critério
da periodicidade do ingresso): As ORDINÁRIAS são periódicas ou resultam de
atividades que integram o conjunto de ações ordinárias do estado, além de
integrar de forma permanente, o orçamento do ente público. Pode-se contar com
elas para a realização de gastos públicos e o atendimento das necessidades
públicas.
As
EXTRAORDINÁRIAS são decorrentes de atividades excepcionais, como os impostos
extraordinários e as doações. Lembrem-se que no caso dos impostos
extraordinários (artigo 154, inciso II, da CRFB), a CAUSA é excepcional, o
INGRESSO é permanente. Nos empréstimos compulsórios, tidos como entradas
provisórias (muito embora sejam tributos na consideração da jurisprudência, e
da própria ordem constitucional), a CAUSA também é excepcional (apenas para
citar uma hipótese, despesas extraordinárias que tenham origem em calamidade
pública ou guerra iminente) o ingresso deve ser RESTITUÍDO posteriormente.
b) Classificação de maior RELEVÂNCIA propõe distinção
entre as receitas ORIGINÁRIAS e as DERIVADAS (critério da causa do ingresso):
As
ORIGINÁRIAS decorrem da exploração do patrimônio do Estado e têm como
principais exemplos, os ingressos comerciais (aluguéis, lucros de empresas
estatais), e as compensações financeiras, além de preços públicos, que serão
diferenciados quando analisarmos as taxas, estas como espécies tributárias,
aqueles como relação de direito privado.
Apenas
para ANTECIPAR, preços públicos são em SÍNTESE: remuneração por serviços públicos
que não são essenciais, que agregariam, em geral, aquelas ações exercidas pelo
Estado quando intervém diretamente no domínio econômico, além de outras
receitas comerciais como aquelas decorrentes da exploração imobiliária do
patrimônio público.
As COMPENSAÇÕES
financeiras resultam do artigo 20, § 1º da Constituição e resultam da
exploração de bens que são da UNIÃO: petróleo, gás natural, recursos hídricos
para o fim de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais.
Regulada pela Lei n. 7.990/89.
Os
INGRESSOS COMERCIAIS já foram referidos anteriormente, e ainda compreendem a
exploração dos MONOPÓLIOS ou dos serviços prestados pelas empresas do próprio
ESTADO.
As
RECEITAS DERIVADAS compreendem BASICAMENTE: TRIBUTOS e MULTAS. Notem aqui que
MULTAS podem ter origem no DESCUMPRIMENTO de normas FISCAIS ou NÃO. Todas são
ingressos derivados, mas as MULTAS pelo descumprimento de normas FISCAIS não
são tributos. Isto tem fundamento primeiro no próprio conceito de TRIBUTO,
fixado no artigo 3º, do CTN (Lei n. 5.712/1966), que qweasdprevê:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória,
em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (grifo
nosso)
2. O
critério normativo. As receitas de capital e as receitas correntes.
Antes de distinguir as modalidades de receita conforme as categorias
econômicas (o critério normativo), é conveniente salientar a relação que as mesmas estabelecem
com as despesas, as quais, segundo a classificação normativa, também elegem
como causa, uma referência econômica. Assim sendo, as receitas correntes são
aquelas destinadas a prover as despesas correntes, sendo as de capital, aquelas
destinadas ao atendimento das despesas de capital. O conceito de ambas será
examinado em momento oportuno do programa.
a) Receitas
correntes:
Conforme prevê o texto do artigo 11, da lei n. 4.320/1964, são correntes
todas as receitas aptas ao atendimento das despesas correntes, destinadas,
portanto, ao provimento da regular atividade administrativa, tais como, o
pagamento de folha de pessoal, material de consumo, os juros da dívida, entre
outras despesas correntes, que serão detalhadas oportunamente. O texto da lei
discrimina as subcategorias de programação, compreendendo:
a.1)
Receitas tributárias (receitas derivadas e ordinárias): todas as espécies de
tributos;
a.2)
Receitas patrimoniais (receitas originárias e ordinárias): estas compreendem os
ingressos pecuniários decorrentes da exploração do patrimônio público, ou dos
incrementos pecuniários resultantes de aplicações financeiras ou rendas de
patrimônio;
a.3)
Receitas agropecuárias, industriais e de serviços: provenientes da atuação do
Estado através de suas empresas estatais, no domínio do abastecimento público,
da exploração industrial, ou da execução direta de serviços públicos;
a.4)
Transferências correntes: compreendem os recursos financeiros que são recebidos
por outras pessoas jurídicas de direito público ou privado (portanto, podem
compreender ou não tributos), desde que destinadas ao atendimento de despesas
correntes. O exemplo mais comum relaciona as receitas transferidas em
decorrência do regime de repartição da receita tributária de alguns impostos
(artigo 157 a 162, da CRFB). Neste caso, os impostos constituirão receita
derivada do ente tributante, exceto pela parte transferida ao outro ente da
federação, que represente receita transferida deste. No plano da classificação
normativa, registra o artigo 6º, § 1º, da lei n. 4.320/1964, que a parte
transferida é receita do ente que a recebe, classificada como transferência
corrente, mas deve ser considerada despesa (corrente) para o ente que
transferiu.
a.5) Outras
transferências correntes: Tudo o que não puder ser classificado segundo as
subcategorias de programação referidas, deve ser considerado sob esta condição.
Compreendem, portanto, as indenizações (meras entradas na classificação
doutrinária), as multas (são receitas derivadas, ordinárias, mas não
tributárias, razão pela qual estão nesta condição), o recebimento dos juros de
mora, e a receita decorrente da cobrança da dívida ativa, v.g.
b) Receitas
de capital:
Assim como ocorre em relação às despesas correntes, as receitas de
capital devem ser compreendidas de forma referencial com o seu equivalente
econômico no plano das despesas, ou seja, com as despesas de capital.
Compreendem, portanto, todas as receitas destinadas ao atendimento das despesas
de capital, sob as seguintes subcategorias econômicas:
b.1)
Operações de crédito: empréstimos contraídos perante instituições financeiras
estatais ou particulares, no país ou no exterior, ou resultantes da oferta de
títulos públicos no mercado financeiro. As receitas que resultam de tais
operações são receitas de capital. Convém salientar que estas operações têm sua
disciplina vinculada à resolução n. 43/2001, do Senado Federal. Em relação à
classificação doutrinária dos ingressos, seriam classificadas como meros
ingressos provisórios, ou movimento de caixa, por não representarem variação
positiva do patrimônio estatal.
b.2)
Amortização de empréstimos: Compreende o recebimento parcial, pela União, do
valor principal de dívida que os Estados, o Distrito Federal ou os municípios
possuam perante este ente. Este valor recebido pela União seria considerado
como receita, muito embora corresponda, no plano doutrinário, a movimento de
caixa, por não implicar evolução positiva do patrimônio, mas tão somente,
evento compensatório. Aqui também cabe uma pequena digressão, que será
detalhada oportunamente. O pagamento dos juros da dívida compreende despesa
corrente, enquanto o pagamento de parte do principal corresponde a despesa de
capital;
b.3)
Alienação de bens: Compreende a receita decorrente da alienação de ativos
públicos, móveis ou imóveis, implicando, portanto, a transferência do domínio
público para o particular, mediante retribuição pecuniária em benefício do
Estado. Tem-se aqui a conversão, em espécie, de direitos e bens que integrem o
patrimônio público. O resultado de tal conversão deve ser considerado como
receita de capital;
b.4)
Transferências de capital: sempre que recursos forem transferidos de um ente
público para pessoa jurídica pública ou privada, visando o atendimento de
despesa de capital (v.g, transferências voluntárias visando a realização de
obra para o atendimento do sistema único de saúde, por meio de convênio),
teremos transferências de capital, e não correntes.
b.5) Outras
receitas de capital: tudo o que não puder ser compreendido nas demais subcategorias
econômicas;
b.6) O
superávit do orçamento corrente: as receitas correntes que não foram
utilizadas-
IMPORTANTE: Conforme previsto pelo artigo 57, da lei n. 4.320/1964, deve ser
considerado na condição de receita, e de receita orçamentária, todo ingresso
que não decorra de: a) outros eventos compensatórios, b) emissão de papel
moeda, c) ou de operações de crédito por antecipação de receita (ARO).
É importante
observar que, muito embora as operações de crédito em geral representem sob a
perspectiva doutrinária, simples entradas ou movimento de caixa (justamente
porque expressam um evento de estabilização patrimonial), o mesmo dispositivo
contempla essa situação como exceção, reconhecendo a esses ingressos, a
condição de receita, e de receita orçamentária. As demais espécies de entrada
(ou de ingresso) expressam receitas extra-orçamentárias (artigo 3º, parágrafo
único, da lei n. 4.320/1964).
Confira-se
por oportuno os destaques dos dispositivos referidos:
Art. 3º A Lei de
Orçamentos compreenderá tôdas as receitas, inclusive as de operações de crédito
autorizadas em lei.
Parágrafo único. Não se consideram para os fins
deste artigo as operações de credito por antecipação da receita, as emissões de
papel moeda e outras entradas compensatórias, no ativo e passivo financeiros . [...]
Art. 57. Ressalvado
o disposto no parágrafo único do artigo 3. desta lei serão classificadas como
receita orçamentária, sob as rubricas próprias, tôdas as receitas arrecadadas,
inclusive as provenientes de operações de crédito, ainda que não previstas no
Orçamento.
IMPORTANTE: Alguns eventos que na classificação
doutrinária seriam consideradas simples entradas, são admitidos pelo critério
da lei nº 4.320/1964 como receitas públicas. Podem ser citadas como exemplos,
as alienações (receitas correntes e patrimoniais); as operações de crédito
(receitas de capital), e as indenizações (outras transferências correntes).
A CLASSIFICAÇÃO NORMATIVA DAS
RECEITAS PÚBLICAS (PORTARIA-CONJUNTA STN/SOF Nº 3, E PORTARIA N. 1,
STN, DE 30 DE JUNHO DE 2009).
QUADRO 1
AS
COMPENSAÇÕES
QUADRO 2
As ENTRADAS
COMPENSATÓRIAS podem ser transformadas em RECEITA PÚBLICA?
Sim, mas APENAS ACIDENTALMENTE. Vejamos o exemplo dos SALÁRIOS NÃO
RECLAMADOS. Se forem atingidos pela prescrição, já podem ser considerados
recursos com os quais o Estado pode contar, permanentemente. No caso das
CAUÇÕES. Se a obra não for realizada, os recursos estarão disponíveis ao uso do
Estado, visando concluí-la
Para a lei n. 4.320/1964, as entradas compensatórias NÃO SÃO RECEITA
PÚBLICA (aquela com o qual o Estado pode contar e portanto, destina-a no âmbito
do ORÇAMENTO PÚBLICO).
Quando a lei faz referência às OPERAÇÕES DE CRÉDITO POR ANTECIPAÇÃO DE
RECEITA, EMISSÃO DE PAPEL MOEDA, está se utilizando do SENTIDO CONTÁBIL de
ENTRADAS COMPENSATÓRIAS. Para a CONTABILIDADE PÚBLICA, as OPERAÇÕES DE CRÉDITO
POR ANTECIPAÇÃO DE RECEITA e as OPERAÇÕES DE CRÉDITO EM GERAL constituem
EVENTOS DISTINTOS. As primeiras são registradas como DÉBITOS DE TESOURARIA,
expondo, portanto, o registro de uma OBRIGAÇÃO do Estado, decorrente desse
ingresso.
ENTRADAS COMPENSATÓRIAS possuem RELEVÂNCIA CONTÁBIL, mas não possuem RELEVÂNCIA
FINANCEIRA (ORÇAMENTÁRIA).
Para a doutrina, INDENIZAÇÕES (reparação de danos sofridos pelo poder
público), CAUÇÕES E EMPRÉSTIMOS representam a mesma conseqüência: INGRESSOS
PROVISÓRIOS, ENTRADAS PROVISÓRIAS OU SIMPLESMENTE MOVIMENTO DE CAIXA. Em outras
palavras: NÃO SÃO RECEITA PÚBLICA. Representam COMPENSAÇÕES (sentido jurídico).
ENTRETANTO,
para a lei n. 4.320/1964, temos EVENTOS DISTINTOS:
a) Indenizações: Outras receitas correntes;
b) Empréstimos: Receitas de capital. Recursos de longo prazo, situados na
conta do passivo não circulante;
c) Cauções: Receita extraorçamentária. Conta do passivo circulante. Débito
de tesouraria;
As
indenizações e a classificação normativa:
a) A
doutrina MINORITÁRIA[1]
as considera como item de RECEITA CORRENTE (Receitas patrimoniais). A portaria
conjunta n. 1, da STN, de 2009 as considera como outras receitas correntes,
sendo esta a classificação em uso. Não poderiam ser consideradas receitas
patrimoniais porque estas se restringem ao resultado da exploração permanente
de patrimônio imobiliário público;
As doações e a classificação normativa: Doações devem ser compreendidas de forma restritiva, de forma a
diferenciá-las das transferências voluntárias. Estas últimas são RECEITAS DE
CAPITAL para o ente público que RECEBEU o recurso transferido. As primeiras
(DOAÇÕES) podem ser admitidas na condição de OUTRAS RECEITAS CORRENTES.
Obrigações de dar fixadas em termos de compromisso de ajustamento de
conduta: Conforme proposto pela
portaria da STN, podem ser admitidas como outras receitas correntes.
3. As Receitas tributárias e não
tributárias.
a) Receitas não tributárias: Esta modalidade será
objeto de análise em AULA ESPECÍFICA.
Antecipando
apenas o SUFICIENTE para o nosso diálogo hoje: São todos os ingressos ou
entradas resultantes de exercício de atividade de Estado, submetida ao Direito
privado. Aqui estão receitas que na classificação pelo critério da causa ou da
fonte da receita, seriam ORIGINÁRIAS. Quais são elas? A) Herança jacente,
doações, legados; B) Aquelas resultantes da exploração do PATRIMÔNIO PÚBLICO
DISPONÍVEL. Todos esses ingressos constituem RECEITA, RECEITA ORIGINÁRIA, e
RECEITA NÃO-TRIBUTÁRIA.
Analisaremos
COM MAIOR DETALHAMENTO, na aula específica apontada no plano de ensino.
b) Receitas tributárias: são aquelas resultantes do
ingresso de recursos pela instituição de tributos (artigo 145, da CRFB de 1988,
e artigo 3º, do Código Tributário Nacional). Estes por sua vez, são de três
espécies: IMPOSTOS, TAXAS E CONTRIBUIÇÕES DE MELHORIA. Na classificação clássica
definida pelo CTN. Mas a CRFB atribuiu o mesmo regime de tributação a outras
espécies normativas: Empréstimos compulsórios, contribuições especiais (SOCIAS,
DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO, DO SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO, DO INTERESSE
DAS CATEGORIAS PROFISSIONAIS E ECONÔMICAS, ALÉM DE OUTRAS CONTRIBUIÇÕES
SOCIAIS). Estas últimas compreendem contribuições destinadas ao custeio da
seguridade social, a intervenção em determinado domínio da economia ou do
mercado, e contribuições destinadas aos serviços sociais autônomos, além de
categorias profissionais ou econômicas, que serão analisadas em aula
específica.
3.1 O conceito de tributo,
fiscalidade, parafiscalidade, e extrafiscalidade:
CONCEITUANDO O tributo, tem-se que é:
a) Obrigação pecuniária;
b) Decorrente de lei;
c) Só pode ser instituído por pessoa jurídica
pública (sujeito ativo);
d) Só pode ser exigido perante aqueles que a lei
aponte e nas condições fixadas com hipótese para a geração da obrigação
(sujeito passivo);
e) Não pode ser sanção de ato ilícito;
Fiscalidade e parafiscalidade.
a) Fiscalidade é: DESTINAÇÃO ao FISCO, ao ESTADO.
Guardem esta expressão, porque ela também diferencia a distinção entre a
atividade financeira e a atividade tributária. Esta já dissemos que compreende
a análise da obrigação de entregar dinheiro de forma impositiva ao Estado,
enquanto a financeira compreende a análise do processo de aquisição, aplicação,
destinação e controle. Haverá vinculação de alguns ingressos tributários a
finalidades específicas (TAXAS, CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS E DEMAIS
CONTRIBUIÇÕES), mas esta não é a característica principal dos tributos, sendo
esta exatamente a contrária, a de não vinculação a atividade, finalidade e
prestação específica (IMPOSTOS).
b) Parafiscalidade, ou INGRESSOS, ou ENTRADAS
parafiscais: ingressos que se DESTINAM ao custeio das atividades prestadas por
entes que COLABORAM com o Estado, exercendo tarefas sociais ou do interesse de
determinados grupos sociais, mas que não se confundem com o próprio Estado. São
entes paraestatais, as entidades de classe, profissionais. A atividade FISCAL
tem seu fundamento na CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, na disponibilidade econômica de
cada indivíduo, para fazer frente à obrigação perante o Estado. A atividade
PARAFISCAL é pela CRFB de 1988 sujeita aos princípios que limitam a atividade
tributária e são também TRIBUTOS. Vamos analisar nesta aula, alguns caracteres
que também interessam à compreensão destas contribuições no plano dos
princípios que limita o poder de tributar. Os CONCEITOS E ESPÉCIES serão
analisados na próxima aula, em conjunto com os PREÇOS PÚBLICOS.
c) Extrafiscalidade: esta é um efeito POSSÍVEL na
atividade fiscal, quando os TRIBUTOS são utilizados para o fim de se atingir
não só o objetivo de ARRECADAR, mas também o de provocar comportamentos.
Vejamos o caso do IPTU progressivo, que tem como meta, o atendimento da função
social da propriedade urbana, e que busca atingir o USO CORRETO E RACIONAL da
propriedade no ESPAÇO URBANO. O que é isso, em última análise? EDIFICAÇÃO,
CONSTRUIR UMA HABITAÇÃO. Outros exemplos podem ser citados, como a manipulação
das alíquotas dos impostos sobre determinados ou atividades, visando o estímulo
ou o controle do consumo, ou a manipulação de elementos macro-econômicos (II,
IE, ICMS).
3.2 Decompondo o conceito de tributo:
a) Tributo não é PAGAMENTO. Pagamento é forma de
extinção de uma obrigação. TRIBUTO É A PRÓPRIA OBRIGAÇÃO. De que? De entregar
dinheiro ao Estado.
b) Tributo não pode ser o pagamento decorrente da
aplicação de sanção por ato ilícito, e incide de forma objetiva sobre a
situação que a lei descreveu, como capaz de gerar a obrigação. O tributo atinge
a receita produzida pela atividade, independente de sua natureza.
c) Tributo depende de instituição por lei,
restrição que foi mitigada pelo texto do artigo 62, inciso III, da CRFB, que
dispõe sobre as proibições materiais para a edição de medidas provisórias. O
texto proíbe expressamente sua edição sobre matérias sujeitas à lei
complementar, que em matéria tributária são todas aquelas enumeradas ao longo
do artigo 146, da CRFB. Estas matérias não podem ser reguladas por medida
provisória, mas tal proibição não alcança o poder de tributar (instituir
tributos).
3.3 A atividade tributária
como um problema de justiça distributiva
O retorno ao ponto-de-partida
do programa: de que Estado estamos
tratando e qual é a nossa referência de Estado? Estas influenciam a forma como
vamos enfrentar o tema da tributação, que é em última análise, vinculado ao
tema da distribuição e do acesso aos recursos públicos.
A questão
emergente neste contexto é: qual é a função do Estado?
Uma segunda
pergunta: todos nós possuímos igual acesso aos recursos públicos? Isso depende
de que estrutura e que objetivos foram atribuídos ao exercício das funções
estatais. Podemos ter duas perspectivas. Em uma primeira, o Estado apenas
intervém quando exposta uma falha de mercado. Caberia a cada um buscar atingir,
no exercício de seus potenciais, a prosperidade, a felicidade e a satisfação de
seus próprios interesses e expectativas, fazendo o uso dos instrumentos que
estivessem disponíveis (inclusive o mercado), assegurando o máximo benefício
pelo exercício de suas liberdades. Neste contexto, estaria reservado ao Estado
uma função subsidiária, de assegurar que estas liberdades pudessem ser
exercidas, e assegurar o pleno desenvolvimento pessoal dos indivíduos.
Em
semelhante estrutura, não caberia propor ao Estado o problema da distribuição
dos bens públicos, problemas de justiça distributiva, ou ainda, a tarefa de
igual acesso aos bens e recursos públicos, simplesmente porque neste modelo
ideal, seria permitido e possível que cada um atingisse por si, tal realidade,
sendo dispensável a intervenção estatal para que uma realidade de progresso,
bem-estar e benefícios fosse atingida.
Ao Estado
estaria reservado um conjunto de funções que fosse compatível com o objetivo
preponderante de assegurar o pleno desenvolvimento das liberdades em um espaço
público, razão pela qual poderiam ser destacadas as tarefas de segurança
interna e externa, organização das atividades do próprio Estado, a proteção da
propriedade e a regulação das condições políticas, sociais e culturais
favoráveis a uma economia de mercado.
Em uma
segunda perspectiva, admite-se que um projeto político de sociedade exigiria que o Estado assumisse a tarefa de
assegurar, por sua iniciativa, o bem-estar da coletividade. Temos aqui uma
inversão radical de objetivos. Na primeira, o bem-estar não constituía tarefa
de Estado, estando afeta ao círculo de interesses individuais protegidos pela
ação estatal. Na segunda leitura, vinculada a um projeto político social, a
igualdade de acesso aos bens e recursos públicos e a questão da justiça
distributiva passaria a constituir um objetivo público, portanto, uma tarefa de
Estado.
Caberia ao
Estado proporcionar as condições e a própria prestação de serviços, bens e
utilidades indispensáveis ao desenvolvimento de uma vida digna, propondo,
portanto, como tarefa, a de proporcionar acesso a um mínimo vital. O mínimo
indispensável ao bem-estar estaria atribuído ao Estado, mas graus diferenciados
de bem-estar são possíveis e admissíveis em uma sociedade democrática, de
acordo com preferências. Estas estariam atribuídas aos indivíduos e ao próprio
mercado. No primeiro modelo, é importante destacar que quando o Estado intervém
em uma falha de mercado, não está assegurando o acesso igualitário de todos aos
bens e recursos públicos, mas apenas o acesso de alguns ou mesmo de poucos a
tais bens, acesso daqueles que não puderam ou não conseguiram, livremente, atingir
os ideais de prosperidade pelo exercício de suas liberdades.
A segunda
questão proposta possui um grau de dificuldade adicional. Mesmo em um projeto
político social, o igual acesso aos bens públicos não pode ser confundido com a
igual distribuição dos bens e recursos públicos.
O igual
acesso é uma garantia procedimental e a igual distribuição não é
necessariamente uma realidade. Isto se deve porque nem todos exigirão o mesmo
grau de proteção estatal.
Nem todos,
muito embora lhe esteja disponível, exigirão das funções estatais, o mesmo grau
de recursos públicos para a proteção do mínimo vital, ou mesmo, exigirão tal
intervenção porque possuem outras fontes para atingir tais objetivos.
Assim
situada a questão, a complexidade para os problemas da justa distribuição surge
quando procuramos justificar as causas da atividade tributária. Se nem todos
têm ou exigem o igual acesso aos recursos públicos, porque todos têm de
cooperar com as funções estatais?
Ocorre que o
que está em destaque aqui não é uma questão de simples distribuição ou
repartição dos bens, senão em um problema de solidariedade decorrente da
configuração contemporânea de Estado. Mesmo que alguns serviços ou algumas
tarefas públicas não precisem ser exigidas por alguns membros da coletividade,
sempre haverá um conjunto mínimo que dependerá necessariamente de tais recursos
oriundos de seu patrimônio.
O desafio é
aproximar ou definir o grau de justiça no exercício dessa tarefa. Deve
privilegiar a realidade e os resultados das prestações em um modelo contratual
de equivalência? (custeio do que lhe for oferecido em retorno) ou objetivos de
solidariedade coletiva e de justiça distributiva (custeio da rede de proteção
social de acordo com a capacidade de contribuir para a mesma, contribuindo
menos quem dispõe de menor capacidade, e contribuindo mais, quem dispõe de
maior capacidade?). Da análise deste tópico resulta que uma distribuição justa
não necessariamente é uma distribuição igual. Portanto, temos que justiça pode
não supor, necessariamente, eqüidade, como propõe Rawls em sua obra sobre o
tema;
Um problema
de justiça distributiva bastante visível pode ser exposto a partir do turismo
desordenado no litoral brasileiro. Tomemos como exemplo o litoral do Estado de
Santa Catarina.
Todos os
anos, as praias catarinenses recebem uma das maiores concentrações de turistas
no verão brasileiro. Sob este contexto, a população de Florianópolis pode
triplicar. Ocorre que o número de usuários de serviços e de destinatários das
ações públicas, ou de demandas existenciais, também cresce em semelhante
proporção. Em semelhante realidade, a rede de saneamento ambiental do município
não é capaz, neste momento, de atender mais do que 47% da população, o que
representa uma realidade na qual, mais de 50% dos resíduos, rejeitos e
efluentes não recebem qualquer tratamento, sendo depositados in natura, no solo, lençóis freáticos e
no mar.
A elevação
na população em um contexto como o descrito, contribui decisivamente para o
aumento nos níveis de contaminação, não sendo improvável que, em um futuro não
tão distante, a população permanente terá problemas reais de abastecimento de
água, e estará sob uma ameaça mais expressiva, exposta a riscos sanitários e
doenças decorrentes da ausência de ações de saneamento.
Em que
medida este problema pode nos interessar? Este problema, que não se restringe
ao município de Florianópolis expõe um dilema central para a orientação das
ações públicas, que é um dilema de justiça distributiva.
Se todos
devem ter acesso a níveis de proteção social mínimos, ou ainda, a um conjunto
elementar de prestações capazes de proporcionar o usufruto de condições
existenciais suficientes para uma vida digna e decente, como proporcionar ou
assegurar esta realidade a todos os seus destinatários?
A questão é
relevante porque o financiamento destas ações, em geral decorre da intervenção
pública sobre o patrimônio privado, e problemas de justiça distributiva sempre
serão próximos das escolhas que serão realizadas na atividade tributária. Sendo
assim, todos devem contribuir de forma igual para assegurar os níveis
existenciais mínimos? Ou devem contribuir na medida de suas capacidades
econômicas? E qual é a medida de capacidade econômica que será utilizada como
referência? Qual será o critério para fixar esta capacidade? Ou o melhor
critério teria que ser a medida de uso potencial dos serviços, bens ou de
acesso às prestações?
Transpondo a
discussão para o problema concreto descrito anteriormente, é possível situá-lo
no plano das discussões sobre justiça distributiva através da seguinte questão:
como proporcionar qualidade de vida para todos, em uma realidade de escassez,
sem comprometer ou agravar excessivamente a condição de determinados grupos ou
coletividades? O problema é real no contexto descrito porque se os benefícios
não podem ser proporcionados a todos (naquele caso, água tratada e saneamento
ambiental), poucos terão acesso aos bens e serviços, às custas de se onerar
excessivamente todo o restante da população, que contribui financeiramente para
a oferta desses serviços, mas não os obtém, sofrendo, por outro lado, o
conjunto dos prejuízos decorrentes da ocupação e do uso desordenado dos
recursos.
Ressalte-se
que nem sempre a solidariedade e uma noção de justiça distributiva ou equidade
se fazem presentes na atividade financeira do Estado do mesmo modo (e exemplo
mais representativo está na distinção do critério de justiça distributiva
diferenciado, utilizado para a justificação das taxas e dos impostos).
Como visto, no exercício da atividade tributária, na responsabilidade
financeira pelo custeio de ações públicas que precisam ser realizadas, todos
podem ser vinculados ao dever de contribuir e colaborar com a ação pública, em
maior ou menor, grau, de acordo com sua capacidade econômica, independente de
sua contribuição para um determinado resultado ou evento nocivo que precise ser
removido ou exija a intervenção estatal, que decorra de algum dever estatal de
proteção (manter níveis de salubridade ambiental, acesso aos serviços de saúde,
assegurar a sobrevivência física ou o desenvolvimento de padrões dignos de
existência em um espaço público).
No caso da tributação, um exemplo bastante visível pode ser descrito a
partir dos padrões de consumo e de alimentação que contribuam com a acumulação
de resíduos de difícil degradação natural. O acúmulo desses rejeitos implica
necessariamente a elevação dos gastos nas ações públicas destinadas a assegurar
qualidade de vida e salubridade nos espaços de vivência.
Medidas destinadas à despoluição de solos, limpeza de cursos hídricos,
descontaminação, saneamento ambiental ou mesmo, de forma indireta, com a
manutenção das redes públicas de saúde, decorrem desse conjunto de decisões
privadas, e são custeadas pelo Estado mediante a colaboração de todos, através
do exercício da atividade tributária.
O mesmo não ocorre, v.g, em relação ao custeio das ações públicas que
precisam ser realizadas, em decorrência de um dever estatal de assegurar a
saúde pública, removendo focos de contaminação ou de contágio, independente da
vontade do proprietário dos imóveis onde estes se localizem. Tem-se aqui a
realização de despesas públicas que têm por finalidade assegurar o acesso de um
conjunto mais ou menos determinado de titulares do direito à saúde, e que será
suportado por todos em um primeiro momento, mas ressarcido posteriormente pelo
proprietário do imóvel que recebeu a ação de limpeza e descontaminação. Há,
portanto, graus diferenciados de solidariedade e de colaboração dos
particulares para com as funções estatais, com vistas a contribuir para a
realização de direitos fundamentais ou de deveres de proteção.
Problemas
para refletir sobre a atividade tributária:
a) Relações
jurídicas possuem base contratual, ou estão baseadas em uma noção de
responsabilidade, colaboração e solidariedade?
b) Autodeterminação
da vontade e condicionamento das liberdades econômicas;
c) Igual proteção e isonomia no acesso à uma universalidade de bens e
vantagens a uma coletividade, ou proteção diferenciada de acordo com as
necessidades existenciais? Demandas diferenciadas de proteção é igual a mais
proteção? Isto é possível em um modelo contemporâneo de Estado? Não só é
possível como deve ser atingido e constitui dever do Estado e dever de cada um
de nós (vejam na Constituição os deveres para com a família, a criança e o
adolescente, o meio ambiente, os desassistidos).
3.4 Diferenciando as espécies
tributárias.
O objetivo
nesta oportunidade é diferenciar sob os ângulos da função/destinação (guardem a
expressão DESTINAÇÃO) de cada uma das espécies tributárias, para o custeio das
NECESSIDADES PÚBLICAS, pois é o processo que termina no CUSTEIO das
NECESSIDADES PÚBLICAS, que constitui o objeto de análise do DIREITO FINANCEIRO.
3.4.1 Impostos
Comecemos
com os IMPOSTOS, NÃO SEM ANTES TRANSCREVER AS ESPÉCIES, SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA E O CTN:
CRFB de 1988 (artigo 145,
inciso I a III):
Art. 145. A União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes
tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de
polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de
obras públicas.
CTN (artigo 16):
Art. 16. Imposto é
o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de
qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
O critério
DETERMINANTE para diferenciar as espécies tributárias é aquele que os distingue
entre os tributos VINCULADOS, daqueles NÃO-VINCULADOS. Vinculação a quê? Do que
se trata? Vinculação a uma atividade estatal determinada ou determinável. Nesta
abordagem, tem-se que TRIBUTO é uma obrigação decorrente de LEI, e que deve ser
exigida. Mas pode ter como CAUSA uma PRESTAÇÃO ou ATIVIDADE DETERMINADA, ou
NÃO;
Deste modo,
quando se trata de impostos, tem-se aqui um TRIBUTO que não depende de uma
atividade estatal determinada perante o próprio particular, como CAUSA que
justifique que cada um dos particulares entregue dinheiro, após ter se
concretizado um FATO GERADOR da obrigação.
O que é isto
na prática? A obrigação não surge de alguma atividade que o Estado me prestou
de forma individualizada, oriunda de um comportamento seu perante o particular.
Ele exige a partir de eventos econômicos que se concretizam diariamente, no
qual não participou em nada para que ocorressem. A obrigação surge,
independente de uma INICIATIVA estatal concreta e específica perante cada uma
dessas relações.
Os impostos
são instituídos por lei de cada um dos entes da federação, que têm sua
capacidade para exigir impostos decorrente da Constituição. União, Estados,
Distrito federal e municípios devem exigir seus IMPOSTOS, que são apenas
aqueles fixados, no artigo 153, para a União, no artigo 155, para os Estados e
Distrito Federal, e no artigo 156, para os municípios.
Temos aqui,
uma ESTRUTURA que compreende os seguintes IMPOSTOS:
UNIÃO (artigo 153, inciso I a
VII):
a) Imposto de Importação (II);
b) Imposto de Exportação (IE);
c) Imposto sobre a Renda (IR);
d) Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI);
e) Imposto sobre Operações de
Créditos, Seguros e Valores Mobiliários (IOF);
f) Imposto sobre Propriedade
Territorial Rural (ITR)
g) Imposto sobre Grandes
Fortunas;
h) Impostos residuais (artigo
154, inciso I);
i) Impostos extraordinários,
em decorrência ou na iminência de guerra externa (artigo 154, inciso II);
No caso dos ESTADOS-MEMBROS E
DO DISTRITO FEDERAL, temos (artigo 155, inciso I a III):
a) Imposto sobre transmissão
causa mortis e sobre doações de bens ou direitos;
b) Imposto sobre circulação de
mercadorias e serviços (ICMS);
c) Imposto sobre a propriedade
de veículos automotores (IPVA);
E, enfim, para os MUNICÍPIOS
(artigo 156, I a III):
a) Imposto sobre a propriedade
territorial urbana (IPTU);
b) Imposto sobre as
transmissões inter vivos;
c) Imposto sobre serviços
(ISS);
O que
importa para o nosso estudo, quando definimos tributos? Que além de não
depender de qualquer iniciativa de ESTADO, para justificar a exigência perante
o particular, do dever de ENTREGAR o dinheiro resultante do EVENTO ECONÔMICO,
também não tem QUALQUER DESTINAÇÃO ESPECÍFICA. A RECEITA que advém dos IMPOSTOS
não PODE atender ao CUSTEIO de qualquer ATIVIDADE PÚBLICA EM PARTICULAR. Essa
receita é repartida para o custeio DE UM CONJUNTO DE NECESSIDADES, que terão as
suas PRIORIDADES definidas pelo PODER EXECUTIVO, quando elaborar a sua PROPOSTA
ORÇAMENTÁRIA. A proibição está no ARTIGO 167, inciso IV, da Constituição e
comporta algumas exceções, onde as principais são o custeio de ações de SAÚDE E
ENSINO, com PARTE da RECEITA DE IMPOSTOS.
Também há
uma outra exceção, IMPORTANTE, que permite afetar parte da RECEITA DE IMPOSTOS,
para apoiar ENTIDADES PÚBLICAS CRIADAS COM O OBJETIVO DE FOMENTAR O ENSINO, E A
PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA. Mas só vale para os Estados-membros e o
Distrito federal. A União NÃO está autorizada a proceder a referida afetação.
O texto é o do artigo 218, §
5º, da Constituição:
Art. 218 [...]
[...]
§ 5º - É facultado aos Estados e ao Distrito
Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de
fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.
Portanto,
SINTETIZANDO: Imposto tem causa em lei, impõe um dever de entregar dinheiro, e
não demanda nenhum ato concreto do Estado perante o particular, em decorrência
do dinheiro entregue. E o MAIS IMPORTANTE: IMPOSTOS FINANCIAM E RESPONDEM PELO
CUSTEIO DE DESPESAS INDETERMINADAS, SOMENTE O SENDO PELA DEFINIÇÃO DAS
PRIORIDADES NA ESTRUTURA DE UM ORÇAMENTO. Salvo aquelas exceções, a RECEITA de
IMPOSTOS não pode ser vinculada a este ou a aquele serviço público, a esta ou
aquela atividade. Não é possível, por exemplo, ter-se IMPOSTOS QUE TENHAM COMO
DESTINO FINAL, O CUSTEIO DE AÇÕES DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE, MAS A RECEITA
DE TODOS OS IMPOSTOS TERÁ DE SER ALOCADA NO ORÇAMENTO, PARA TAL FINALIDADE.
3.4.2 TAXAS:
Estão
relacionadas, na classificação proposta, a TRIBUTOS VINCULADOS, a uma PRESTAÇÃO
ESTATAL, que deve ser ESPECÍFICA E DIVISÍVEL, FRUÍVEL INDIVIDUALMENTE.
O conceito
está no CTN (artigo 77), e na Constituição (145, inciso II). Vejamos o que dispõem os destaques:
CTN (artigo 77):
Art. 77. As taxas
cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios,
no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício
regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço
público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua
disposição.
CRFB (artigo 145, inciso II):
Art. 145. A União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes
tributos:
[...]
II - taxas, em razão do exercício do poder de
polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
A taxa
DEPENDE, portanto, de que se tenha PREVIAMENTE à IMPOSIÇÃO, uma das duas
situações:
a) Exercício de serviço
público, POSTO à disposição, ou prestado ao contibuinte, e deve ser DIVISÍVEL E
ESPECÍFICO. São TAXAS que decorrem de COMODIDADES prestadas na CONDIÇÃO de
SERVIÇO PÚBLICO, e sob REGIME DE SERVIÇO PÚBLICO (artigo 175, da CRFB), e DEVEM
SER MENSURÁVEIS, DIVISÍVEIS E FRUÍVEIS INDIVIDUALMENTE, MEDIANTE PRESTAÇÃO
ESPECÍFICA AO USUÁRIO DO SERVIÇO PÚBLICO. Neste caso, SEMPRE se teve como
PROIBIDA a instituição de TAXA de ILUMINAÇÃO PÚBLICA, por não veicular ESSA
SITUAÇÃO. Isso teria de ser CUSTEADO pela RECEITA de IMPOSTOS. Enquanto taxas,
temos as judiciárias, que custeiam o serviço que tem por ato final, a prestação
jurisdicional. Não escapam, por exemplo, da regra da anterioridade, e hoje, da
regra da anterioridade reforçada;
b) Exercício de atividade de
polícia ADMINISTRATIVA, também DIVISÍVEL E ESPECÍFICA. Estas só podem ser
exigidas MEDIANTE AÇÃO EFETIVA. Não podem ter CAUSA em ATIVIDADE POTENCIAL. O
que temos aqui? Taxas de fiscalização, fornecimento de alvarás;
3.4.3 CONTRIBUÇÕES DE MELHORIA
Na
CRFB (artigo 145, inciso III):
Art. 145 [...]
[...]
III - contribuição de melhoria, decorrente de
obras públicas.
No CTN (artigo 81):
Art. 81. A
contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito
Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é
instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra
valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como
limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel
beneficiado.
São TRIBUTOS
VINCULADOS. Decorrem de uma VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA INDIVIDUALIZÁVEL, que
decorre de OBRA PÚBLICA.
Se a obra
pública GERA valorização patrimonial individualizável, que DEVE TER COMO LIMITE
DA EXIGÊNCIA: a) o VALOR DO ACRÉSCIMO, e; b) O CUSTO DA OBRA.
Regra geral,
deve ser COBRADO apenas após o TÉRMINO DA OBRA, mesmo que seja possível
mensurar a PROGNOSE da VALORIZAÇÃO PATRIMONIAL, pois isto é apenas uma
PROGNOSE, que pode não se concretizar, e em não se concretizando, OBSTARIA a
exigência do tributo no caso concreto.
3.4.4 EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS
(artigo 148, incisos I e II):
Apesar de
considerado na classificação, doutrinariamente, como simples entrada, já que
não teria o caráter da definitividade e permanência, a CRFB submete o
empréstimo compulsório ao regime de atividade tributária, ainda que não o
inclua no artigo 145, sendo, portanto, TRIBUTO.
Duas são as
fontes que podem justificar a transferência de patrimônio particular de forma
transitória:
a) atendimento de despesas
extraordinárias, que só podem ter causa em duas situações: calamidade pública e
guerra externa ou sua iminência;
b) custear investimento
público que deva ser realizado, ou de investimento público de interesse
nacional;
3.4.5 CONTRIBUÇÕES ESPECIAIS (artigos
149, 195 e 240, da CRFB).
Segundo a classificação do
STF, elas podem ser:
a) Sociais gerais: o FGTS, o
salário-educação (artigo 212, § 5º, da CRFB), entre outras que se destinem ao
custeio das ações não compreendidas na seguridade social, mas compreendidas na
ordem social;
b) De seguridade social: aquelas
do artigo 195, inciso I a IV;
c) Outras contribuções da
SEGURIDADE SOCIAL: artigo 195, § 4º;
d) As contribuições para o
serviço social autônomo: artigo 240, compreendendo, v.g, SESI, SENAC, SENAI e
SEBRAE;
e) As contribuições de
intervenção no domínio econômico: CIDE (artigo 149);
f) As do interesse de
categoria profissional ou econômica, tratadas pela doutrina como contribuições
parafiscais (artigo 149);
CARACTERÍSTICA IMPORTANTE: As contribuições ditas ESPECIAIS, assim como as TAXAS e as
CONTRIBUÇÕES DE MELHORIA, têm destinação específica e estão afetadas ao custeio
de ações públicas.
Sobre as contribuições sociais:
É possível
argumentar que em virtude de que as contribuições sociais exporem destinação
específica, vinculadas ao custeio de prestações sociais, e à concretização de
grande parte da rede de proteção social definida pela Constituição brasileira,
tem-se aqui a maior fonte de arrecadação à disposição da União. De forma
distinta dos impostos, não há aqui, repartição da receita oriunda dos impostos
arrecadados pela União, com os demais entes da federação. O aspecto que deve
ser enfetizado na análise desta modalidade tributária é exatamente a estreita
vinculação destas fontes de receita, para o financiamento de grande parte das
ações públicas no domínio da proteção dos direitos fundamentais sociais,
econômicos e culturias definidos pela ordem constitucional brasileira,
benefícios que se encontram reunidos em torno da ordem social (artigo 193 a
232).
Sob semelhante contexto, priorizaremos
a exposição sumária do âmbito de incidência de cada uma das contribuições
sociais, compreendendo as que seguem relacionadas:
a) Sociais em geral: custeiam
a ação do Estado em TODOS os campos da ordem social. Entre as principais, podem
ser citadas o FGTS e o salário-educação (artigo 212, § 5º, da CRFB), este
último, relacionado ao financiamento do ensino fundamental dos empregados
segurados;
b) de assistência social: aquelas do artigo 195, inciso I a IV;
PRIMEIRA OBSERVAÇÃO: São espécies das contribuições sociais genéricas. Aquelas são o
GÊNERO, de onde as da seguridade social são ESPÉCIE;
Aqui cabe uma digressão:
Vamos estudar adiante, que
toda a atividade de arrecadação de receitas, aplicação e destinação se faz por
um INSTRUMENTO, chamado orçamento, que segundo definido pela Constitução em seu
artigo 165, inciso I a III, deve planejar de forma separada, três domínios: a)
fiscal; b) investimentos das empresas e; c) seguridade social.
O que está compreendido sob a
referência SEGURIDADE SOCIAL? Estão ali, AÇÕES de:
· Saúde;
· Previdência;
· Assistência (artigo 203, inciso I a V, da CRFB):
Art. 203. A
assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a
proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o
amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a
promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a
habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração à vida comunitária;
V - a
garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Nesse
contexto, quando se fala de contribuições da SEGURIDADE SOCIAL, são aquelas
destinadas a fazer frente a um conjunto de ações, agregando não só as ações de
assistência, definidas ao longo do artigo 203 da Constituição Federal, senão as
relacionadas à garantia das prestações de previdência social, e de saúde.
Sendo este o
contexto das ações compreendidas na referência SEGURIDADE SOCIAL, deve-se ter
em mente que, se as contribuições TÊM DESTINAÇÃO ESPECÍFICA, ESTAS DE QUE VAMOS
TRATAR AGORA, DEVEM CUSTEAR ESSAS AÇÕES.
De onde
provém, afinal, as receitas para CUSTEAR ESSAS AÇÕES?
A fonte é o
texto do artigo 195, inciso I a IV, da CRFB de 1988, compreendendo aquelas
receitas:
a) Exigidas dos empregadores,
e mesmo de empresas sem empregados, incidentes sobre:
· Folha de salários;
· Receita ou
faturamento (aqui está não só o resultado de produtos ou serviços, mas de toda
a arrecadação da empresa. Não é o resultado líquido, mas o bruto): (PIS/PASEP e
COFINS);
· Lucro: aqui
é o incremento patrimonial líquido, já descontadas as provisões e todas as
deduções relativas ao IR (CSLL). Esta contribuição tem origem em lei anterior à
CRFB e por ela foi recepcionada (Lei n. 7.689/98);
b) do trabalhador e segurado
da previdência social: contribuição previdenciária, do regime geral da
previdência, exigida através de autarquia, o INSS;
OBSERVAÇÃO: contribuições da assistência social pré-existentes à CRFB de 1988: o
FUNRURAL, que se destinava à seguridade social do trabalhador rural. Durante
muito tempo discutiu-se a constitucionalidade de tal imposição tributária
porque a base de cálculo seria o valor do produto rural negociado pelo
produtor. Isso já seria base de cálculo de um imposto dos Estados. Seria
possível manter essa imposição? Resposta está no artigo 154, inciso I, da CRFB,
que veda o bis in idem, apenas para IMPOSTOS, mas não veda que seja o de um
imposto, e seja, posteriormente, o de uma contribuição, como neste caso. Mas
isto já foi revogado pela Lei n. 8.213/91.
c) receita de concurso de
prognósticos (loterias) e sobre movimentações financeiras: CPMF, que não mais
vige;
OBSERVAÇÃO: A contribuição é exigida do administrador do concurso, e NÃO DO
APOSTADOR. A base de cálculo é a renda líquida de tais concursos, excetuados os
valores destinados ao crédito educativo (artigo 26, da Lei n. 8.212/91);
d) da importação de bens e
serviços: esta nova causa foi acrescida pela EC n. 42/2003, e possui a mesma
base econômica de outros impostos: IPI, ICMS e ISS. Mas o artigo 154, inciso I
apenas veda o uso da mesma base de cálculo entre impostos;
IMPORTANTE: Estas contribuições, da SEGURIDADE SOCIAL, do artigo 195, só podem ser
EXIGIDAS, 90 dias após a publicação da lei, segundo prevê o artigo 195, § 6º,
da CRFB:
Art. 195 [...]
[...]
§ 6º - As contribuições sociais de que trata
este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da
publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando
o disposto no art. 150, III, "b".
E todas as demais
contribuições? Vale a regra geral, da anterioridade reforçada.
c) As contribuições para o serviço social autônomo (artigo 240 da CF/88):
No caso das
entidades privadas dos serviços sociais autônomos, o artigo 240, excluiu do
âmbito do artigo 195 (portanto, não tratam de assistência social), aquelas
contribuições que afetam a folha de pagamento, tendo por obrigado o empregador,
e destinatários, as entidades privadas de serviço social e formação
profissional.
Podemos ter
ainda, a seguinte configuração:
a) Pré-CRFB de 1988: Estas
contribuições, se já existentes quando da promulgação da Constituição estariam
excluídas do regime de seu artigo 195 (que prevê as contribuições da seguridade
social). Neste caso estão as do SESC (Comerciários), SESI (Industriários) E
SENAI (Aprendizagem Industrial). Temos aqui contribuições que asseguram a
formação profissional e a proteção social dos segurados da indústria e do
comércio.
b) Pós-CRFB de 1988: SEBRAE.
Não há vinculação à categoria profissional ou à categoria econômica, além de
não ser possível constatar em tal hipótese, a presença de órgão que fiscalize
categoria profissional. Se fosse para tal finalidade, seria para o custeio da
entidade fiscalizadora ou reguladora da atividade econômica ou profissional
(entidade sindical ou de classe). Como não é contribuição assistencial,
integrada às contribuições da seguridade social (condição excluída pelo artigo
240), não é contribuição do interesse da categoria econômica, e não se amolda
ao conteúdo das contribuições sociais gerais, só poderia ser integrada à
condição de CIDE. O STF considera que se trata de contribuição através da qual
o Estado intervém sobre a ordem econômica, fomentando a geração de empregos.
d) As contribuições de intervenção no domínio econômico: CIDE (artigo 149):
IMPORTANTE: As CIDEs constituem o exemplo mais representativo do sentido de ordem
econômica que se encontra protegido pela Constituição brasileira, na forma do
artigo 170. Conforme orienta o referido dispositivo, a ordem econômica nacional
não supõe apenas a arrecadação e a livre acumulação do capital, senão a
satisfação de outros valores e necessidades reconhecidas como determinantes
para a elaboração dessa ordem, tais como a função social e ambiental da
propriedade e a defesa do meio ambiente, entre outros. A função mais relevante
das CIDEs constitui na correção dos desequilíbrios existenciais reproduzidos
pelo exercício das liberdades econômicas e pela livre ação do mercado sobre os
bens de produção. Sendo assim, através da prerrogativa de intervir sobre a
ordem econômica, o Estado possui autorização (União) para corrigir distorções,
proporcionando a erradicação da pobreza, erradicação das desigualddes sociais,
fomentar o desenvolvimento de microempresas, entre outros, e o faz através da
instituição das CIDEs, cujo objetivo e destinação se dirige ao fomento das
ações capazes de atuar na correção de tais distorções.
O exemplo
mais comum é aquela definida pelo artigo 149, § 2º, inciso II, da CRFB, que tem
por objeto, a importação de petróleo, derivados, gás natural e derivados e
álcool combustível.
Tal
contribuição representa a arrecadação decorrente de atuação do Estado em
domínio que só poderia admitir, em princípio a iniciativa do próprio
particular, porque é este, quem, em um regime capitalista de exploração dos
meios e bens de produção, desenvolve e exerce atividade econômica, visando
lucro.
PRESSUPOSTOS:
a) Atividade de intervenção
estrita sobre a ordem econômica;
b) Destinação dessa receita é
para o correção das distorções da ação do mercado, atendendo a outras tarefas
vinculadas à ordem econõmica (artigo 170, CRFB);
c) Só pode atingir aqueles que
atuam no domínio econômico determinado, que foi objeto de intervenção do
Estado.
OUTROS EXEMPLOS DE CIDE:
a) Contribuição sobre folha de
salário, destinada ao INCRA, prevista pela Lei n. 2613/55: destina-se ao apoio
de programas e projetos de reforma agrária e, segundo considera o STJ, o
objetivo da exação é reduzir os desequilíbrios regionais na ordem econômica,
autorizando-se que o Estado intervenha diretamente na estrutura fundiária. A
posição consolidada no STJ é a de que tal contribuição enquadra-se na condição
de CIDE;
b) Taxa de Controle e
Fiscalização Ambiental: TCFA, instituída pela lei n. 10.165/2000;
c) O programa de estímulo à
interação Universidade-Empresa (Lei n. 10.168/2000), que tem como fato gerador,
os pagamentos efetuados ao exterior por detentores de licença de uso da
tecnologia;
As do interesse de categoria
profissional ou econômica, tratadas pela doutrina como contribuições
parafiscais (artigo 149):
a) Sindicatos e entidades que
fiscalizam a atividade profissional: CREA, CRA, OAB;
No caso dos
sindicatos, a contribuição é o que se tem convencionado tratar como o “imposto
sindical”, que na verdade apenas é assim tratado para diferenciá-lo da
contribuição dos associados/filiados a entidade sindical, definida por
assembléia geral. Trata-se aqui, de contribuição especial, para custeio das
atividades da entidade de assistência da categoria econômica. É de fato,
terceiro em relação ao Estado, mas o Sindicato é apenas destinatário da
arrecadação. O sujeito ativo, ou seja, quem exige a prestação, é a própria
União, por lei (artigos 579 e 580 da CLT), e em conformidade com o artigo 119,
do CTN.
No caso dos
conselhos de classe, a anuidade é objeto de divergências nos tribunais
superiores:
b.1) No STF, a posição é de
que constituem tributo;
b.2) O STJ considera, que no caso específico da OAB, não seria receita
tributária;
4. A tributação ambiental
Problemas propostos:
a) É possível propor proteção do meio ambiente através de atividade
tributária?
b) É possível a instituição de um imposto ambiental?
c) Como é possível, através de atividade tributária, arrecadar e
destinar recursos para proteção do meio ambiente?
d) Que espécies de tributos são capazes de produzir efeitos no plano da
proteção do meio ambiente?
4.1. A
tributação como instrumento de proteção do ambiente.
Devemos diferenciar para o efeito de nossa exposição [que se vincula à
investigação de como os tributos podem contribuir para a proteção do meio
ambiente], duas situações de interesse, primeiro para a compreensão da
classificação dos tributos pela ordem jurídica brasileira, e depois, para a
compreensão dos limites que são fixados para a matéria ambiental.
A primeira delas propõe o problema do tributo que tenha
como fato gerador a atividade socialmente nociva.
A segunda, propõe como hipótese, o tributo que reverta seu
resultado em proveito da proteção do meio ambiente.
Cada uma das hipóteses propõe uma função diferenciada à
atividade estatal que é exercida sobre as liberdades econômicas, e sobre o
patrimônio do particular.
Em uma primeira hipótese, a imposição de uma obrigação
pecuniária que tivesse como fato gerador o exercício da própria atividade
poluidora ou socialmente nociva, suscitaria como primeira dificuldade
conceitual a restrição relacionada a qualquer espécie de tributo, que não
constitui e não pode constituir sanção por ato ilícito.
Diante desta dificuldade aparente, decorrente da ordem jurídica,
restaria ao Estado propor formas de intervenção que, se não pudessem atuar de
forma direta sobre a fonte degradadora, influenciassem escolhas ou
comportamentos econômicos, cujas consequências incidiriam sobre a realidade, na
forma de melhoria nos níveis de qualidade ambiental. Esta situação será melhor
visualizada adiante, quando serão examinadas as espécies tributárias e sua relação
com a tarefa estatal de proteção ambiental.
A segunda hipótese também suscita alguma dificuldade
conceitual, desta vez relacionada especificamente aos impostos, diante da
proibição orçamentária fixada pelo artigo 167, inciso IV, da CRFB que proíbe a
DESTINAÇÃO DA RECEITA de impostos a programas, ações, projeto ou fundos,
excetuadas as hipóteses já descritas. Semelhante proibição também condicionará
a determinação das alternativas tributárias que estão ao alcance do Estado para
o fim de assegurar que a tarefa de proteção do meio ambiente seja alcançada.
De início já se faz visível que ao menos em relação aos impostos,
encontra-se vedado pela ordem jurídica brasileira, a atuação direta do Estado
para referida finalidade, restando para a investigação, a hipótese de sua
atuação indireta, influenciando comportamentos ou condicionando escolhas.
Antes de iniciarmos a análise específica das alternativas disponíveis,
convém relacionar [e recuperar] alguns critérios que foram admitidos pela ordem
jurídica para o fim de classificar os tributos, situados em número de
cinco, conforme o regime deifnido pela CRFB, a saber: impostos, taxas,
contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribiuções especiais.
O primeiro critério está relacionado à vinculação da obrigação a uma
atuação estatal perante o sujeito passivo dessa obrigação. Temos então, a
distinção entre tributos vinculados e não vinculados, compreendendo os impostos
no primeiro grupo, e as taxas e contribuções de melhoria no segundo grupo. A
situação exposta evidencia que o particular possui um dever jurídico independente
de uma atuação do Estado, ou que apenas possui tal dever porque o Estado
efetivamente (ou potencialmente) atuou perante sua condição.
Deve-se destacar que a referência realizada aqui é ao fato gerador da
obrigação, à sua causa, ao evento econômico ou situação de fato que justificou
a instituição do dever jurídico. Portanto, o problema da vinculação aqui
referido, neste primeiro critério classificatório, não diz respeito ao
RESULTADO da obrigação, senão ao seu FATO GERADOR.
O segundo critério, trata o fenômeno da vinculação sob ABORDAGEM
distinta. Aqui a referência realizada é quanto à DESTINAÇÃO do RESULTADO da
obrigação. Neste contexto temos os empréstimos compulsórios e as contribuções
especiais.
A vinculação enquanto problema de destinação pode ser tanto um
critério classificatório [meramente doutrinário, conforme veremos adiante],
como um problema externo à classificação dos tributos [leitura mais próxima do
que prevê a ordem jurídica brasileira]. Neste segundo ângulo, verificamos que a
questão remete à compreensão do texto do artigo 167, inciso IV, da CRFB. Nesta
leitura, apenas os impostos não podem atender, a princípio, a ações, programas,
projetos e fundos determinados. Não podem ter, como regra geral, a receita
resultante de sua institução, destinada [vinculada] a qualquer ação pública
específica.
As taxas, de forma distinta, podem reproduzir cenário de destinação
[vinculação] de sua receita, desde que reflita uma relação de coerência com a
causa que justificou sua instituição.
O resultado da arrecadação de uma taxa não pode ser destinado ao
custeio/financiamento de ações que não guardem qualquer relação com a causa de
sua instituição.
Taxas de polícia, pagas pelo particular para que o Estado atuasse
concretamente, mediante iniciativa fiscalizatória não podem ter seu destino
afetado ao apoio dos serviços judiciários, ou à melhoria do serviço de
tratamento de água, v.g.
Último detalhe importante que deve ser reforçado antes de prosseguirmos,
objetivando fixar os elementos que definem o regime jurídico
dos tributos na ordem jurídica brasileira, diz respeito a determinação
da natureza jurídica de cada espécie tributária.
Muito embora seja possível visualizar fenômenos de vinculação/destinação
[ou não] do produto da arrecadação de grande parte das modalidades de tributo,
este fato não exerce influência sobre a determinação da natureza jurídica de
cada uma delas. Esta [natureza jurídica] não decorre de sua destinação,
ou em outra palavras, a destinação de sua receita não é relevante para
distinguir cada espécie tributária. Esta, de forma distinta, decorre do fato
gerador, do evento que as justificam.
É o que prevê o artigo 4º, inciso II, do Código Tributário Nacional
(CTN), cujo texto segue transcrito em destaque:
Art. 4º A natureza
jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva
obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
[...]
II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.
(destacou-se e grifou-se).
4.2. As
competências constitucionais para a proteção do ambiente e para a instituição
de tributos.
Conforme já foi exposto, o regime de competências em matéria financeira
expõe o fenômeno da concorrência legislativa, nos moldes fixados pelo artigo
24, inciso I. É o mesmo regime que orienta a tarefa estatal de proteção do
ambiente pela função legislativa, conforme orienta o artigo 24, incisos VI e
VII, da CRFB.
Sob este contexto, não se verifica, ao menos sob este ângulo, óbices ou
obstáculos que comprometam o exercício da função legislativa para o fim de se
assegurar proteção aos bens ambientais, através de instrumentos e medidas
econômicas de natureza tributária.
A questão de maior relevo não está associada, portanto, ao regime de
organização das competências legislativas, senão às condição a partir das quais
é possível que os entes federados possam, através do exercício de sua atividade
tributária, proteger o meio ambiente, ou também proteger o meio
ambiente, neste último enfoque, enquanto manifestação de um efeito
extrafiscal dos tributos que sejam instituídos.
4.3. As
possibilidades admitidas pela ordem constitucional brasileira:
A
organização de um modelo de tributação ambiental depende da resolução prévia do
seguinte problema: é possível tributar a poluição? Ou em outras palavras: é
possível que o Poder Público institua tributo [não determinamos ainda que
espécie de tributo, se sequer se isto é admissível] que tenha como próprio fato
gerador, a atividade nociva, poluente?
A
dificuldade de maior projeção exposta nesta questão está relacionada ao
conceito de tributo proposto pelo artigo 3º, do CTN, pelo qual, o tributo não
pode reproduzir uma sanção por ato ilícito, o que equivale dizer, neste caso,
que o Estado não está autorizado a tributar para o fim de sancionar
comportamentos que representem excessos de liberdades ou a violação da ordem
jurídica. Em relação a este aspecto, convém salientar que a ordem jurídica
brasileira não veda que ações ilícitas possam ser eventualmente, alcançadas
pela atividade tributária. O que se veda é tão somente que a lei descreva como
hipótese de incidência do poder de tributar, um comportamento ilícito.
De outro
modo, o que se está a registrar no texto do artigo 3º, do CTN é que todas as
obrigações que decorram de uma sanção que tenha sido aplicada ao particular, em
razão de ter violado norma jurídica [regra ou princípio] não são tributos para
o fim nele previsto.
Sendo
assim, a exemplo do que se verifica em França, a poluição como fato gerador de
tributo não poderia ser admitida como proibida pela ordem jurídica brasileira,
porque a atividade da qual decorra degradação que se encontra autorizada
mediante regular processo de licenciamento, não pode ser admitida como ilícita.
O mesmo não se poderia dizer do comportamento que violasse os limites das autorizações,
que evidencia ato ilícito.
IMPORTANTE:
O fundamento da proibição descrita no artigo 3º, do CTN encontra dois
argumentos ponderosos para o fim de sua justificação.
O
primeiro deles aponta para a necessidade de se reservar a função de sancionar a
outros instrumentos vinculados à função estatal, para o fim de se assegurar a
reparação de danos (responsabilidade civil), a responsabilização de ilícitos
penais e administrativos (responsabilidade penal e administrativa,
respectivamente). Sendo assim, a função de sanção não teria sua fonte e não a
poderia ter no exercício do poder de tributar, cuja função é, em um Estado
contemporâneo, social e ambiental de Direito, de corrigir distorções produzidas
pelo exercício de liberdades econômicas, assegurar a transformação de
realidades materiais para o fim de concretizar padrões mínimos de existência
digna, viabilizar alternativas de justiça distributiva, e financiar a ação
pública no interesse da coletividade. Nesta perspectiva, caberia ao poder de
tributar, servir-se dos recursos obtidos no patrimônio particular para
assegurar que o Estado pudesse atender e concretizar suas tarefas de proteção,
viabilizando a concretização de direitos fundamentais, privilegiando cada vez
mais, a função extrafiscal dos tributos. Caberia, por outro lado, aos demais
instrumentos (responsabilidade civil, penal e administrativa), assegurar a
sanção de comportamentos ilícitos.
O segundo
e mais relevante argumento aponta que se o Estado admitisse tributar atos
ilícitos, esta iniciativa poderia reproduzir uma mensagem no sentido de
estimular o desenvolvimento da ação ilícita, que ao contrário de ser mitigada
ou obstada, teria o reconhecimento estatal na medida em que este reconheceria
na ação ilícita uma fonte de receita legítima para o fim de financiar suas
ações. Sendo assim, uma vez que não é admissível que se estimule os
comportamentos que violem a ordem jurídica, não caberia admitir que o Estado
pudesse descrever eventos ilícitos como a hipótese de incidência do poder de
tributar. Em uma demonstração de coerência com a própria representação de um
Estado de direito, atos contrários à ordem jurídica, ao contrário de serem
estimulados e receberem a tolerância institucional, devem merecer o exercício
dos deveres estatais de proteção em outra direção, aquela que os considere como
o objeto sua função sancionatória, desde que vinculada à necessária observação
de um princípio de proporcionalidade.
Muito
embora fosse possível visualizar a poluição como comportamento lícito (quando
autorizado e nos limites da autorização administrativa), não seria possível
admitir a conveniência da iniciativa tributária para o caso, na medida em que
se verifica na ordem constitucional brasileira, expressa vedação à iniciativa
que proponha tributar o mesmo fato gerador, e que descreva a mesma hipótese de
incidência (salvo algumas exceções, especialmente vinculadas ao domínio de
algumas das contribuições especiais). Neste plano de argumentação, considerando
que o objeto de interesse das iniciativas de controle da poluição teria de ser
a cadeia produtiva, uma vez que nesta estão suas fontes, e uma vez que a cadeia
produtiva já é, neste momento, objeto de um conjunto bastante extenso de
descrição de hipóteses de incidência, seja pela União, pelos Estados ou mesmo
pelos municípios, iniciativas semelhantes encontrariam obstáculo de difícil
superação.
Sobre o
tema, convém salientar que parte da doutrina visualiza de outro modo, ao
considerar que a poluição representaria por si só, atividade ilícita, e sendo
assim, exigiria iniciativas estatais de outra natureza, afastando a
possibilidade de que o problema fosse removido através de iniciativa
tributária. Sob este contexto, a elaboração de um tributo com finalidade
autenticamente ambiental somente poderia ser melhor visualizada sob o ângulo
das CIDEs.
Apenas a
título de exemplo, admite-se no Direito comparado, várias alternativas para um
tributo ambiental, merecendo destaque, v.g, aqueles que incidem sobre: a) utensílios
descartáveis e veículos que não possuam catalisador (Alemanha), b) bens
descartáveis e sacos plásticos (Bélgica e Itália), c) lâmpadas e luminárias
incandescentes (Dinamarca).
O que se
verifica em todos esses exemplos é a instituição do tributo sobre fontes
nocivas, objetivando induzir comportamentos que gradativamente indiquem para
escolhas sobre produtos ou bens menos poluentes ou mais sustentáveis.
Diante
desse cenário, indaga-se em que medida, alternativas como as descritas seriam
compatíveis ou poderiam ser adaptadas à ordem jurídica brasileira?
Uma primeira
leitura sobre o sentido proposto pela Constituição brasileira à ordem
econômica aponta que esta deve assegurar a concretização de outros objetivos
além da livre iniciativa e a propriedade privada, contemplando em seu artigo
170, v.g, a função socioambiental da propriedade (inciso III), e
principalmente, a possibilidade de tratamento diferenciado de produtos e
serviços, bem como de seus processos de elaboração, para o fim da defesa do meio
ambiente (inciso VI). Neste último objetivo parece ser visível uma expressiva e
relevante alternativa para a solução do problema proposto.
Vejamos,
portanto, como é possível que a tarefa de proteção do meio ambiente seja
concretizada através de atividade tributária.
Se não é
consensual que se possa definir um tributo autenticamente ambiental, a exemplo
das hipóteses enumeradas pelo Direito comparado, é possível que os tributos
definidos pelo CTN e pela CRFB possam influenciar comportamentos que resultem
em conseqüências positivas para a qualidade dos recursos naturais.
a) Os
Impostos e a função extrafiscal decorrente da manipulação de alíquotas, da
aplicação do princípio da seletividade, e da progressividade:
Em
relação aos impostos, verifica-se que há interessantes alternativas que podem
produzir reflexos sobre a proteção do meio ambiente.
· O IPI tem, v.g, seu regime
obrigatoriamente vinculado à necessidade de modular o tributo sob o critério da
seletividade. O artigo 153, § 3º, inciso I, exige que assim o seja, permitindo,
portanto, que produtos importados que sejam nocivos, tóxicos ou mais poluentes,
tenham suas alíquotas majoradas em detrimento daqueles que reproduzam o cenário
oposto. A mesma alternativa pode ser identificada para o caso do ICMS, (artigo
155, inciso II, § 2º, e inciso III), fixando-se alíquotas mais severas para
produtos perigosos, poluentes ou nocivos, sob o critério da seletividade.
· Nada
obstaria, por outro lado, que o próprio IR previsse hipóteses de isenção para
rendimentos resultantes de atividades ambientalmente vantajosas.
· Sobre a
propriedade imobiliária rural (ITR), o artigo 153, § 5º prevê igualmente a
possibilidade de manipulação das alíquotas para o fim de assegurar o uso dos
espaços para fins produtivos. Assim também em relação à propriedade imobiliária
urbana (IPTU), sobre o qual se autoriza a progressividade para o fim de se
induzir o uso dos espaços e o cumprimento da função socioambiental da
propriedade urbana (artigo 182, § 4º, inciso II).
· O IPVA também pode ser uma
interessante alternativa para o incentivo e estímulo de escolhas sobre veículos
menos poluentes, quando as alíquotas sobre veículos utilizadores de
determinados combustíveis, menos poluentes, sejam mitigadas em detrimento
daqueles que façam o uso de combustíveis fósseis.
b) As contribuições de intervenção no domínio,
CIDEs (ou na ordem econômica): Conforme já foi salientado, o artigo 170,
incisos II e VI, da CRFB expõe com clareza que a ordem econômica deve ser capaz
de atingir outros objetivos além da garantia da propriedade privada, e da
liberdade de iniciativa aos particulares. Sendo assim, está reservada à União,
a capacidade legislativa privativa para a instituição de CIDEs, através das
quais, poderá intervir sobre a ordem econômica, para o fim de corrigir
distorções ou deficiências decorrentes dos efeitos do exercício das liberdades
econômicas, inclusive para reforçar e otimizar ações destinadas à defesa do
meio ambiente. É o que se visualiza na instituição da TCFA, em benefício do
IBAMA.
c) As taxas: São os tributos que expõem o menor
grau de dificuldade para o desempenho de efeitos extrafiscais de natureza
ambiental. As taxas de polícia exigidas pelos órgãos ambientais nas atividades
de licenciamento de atividades potencialmente poluidoras são as que melhor
representam esta realidade.
d) As contribuições de melhoria: Já foi salientado
que o fato gerador das contribuições é a valorização patrimonial decorrente de
obra pública. Trata-se de tributo que tem por objetivo a restituição e a
recuperação pelo Poder Público dos benefícios que proporcionou ao particular,
na equivalência com os custos que foram necessários ao financiamento da obra.
Aqui se pode visualizar hipótese de proteção do meio ambiente quando a
valorização patrimonial decorre, v.g, da criação de um parque municipal que
valoriza o imóvel do particular. Poderá exigir deste, contribuição na
equivalência da valorização obtida, ou do custo da obra.
e) A repartição das receitas tributárias. O ICMS
ecológico:
A
hipótese aqui não é a de destinação da receita do imposto para o fim de
proteger o meio ambiente, ou de financiar ações que influenciem a melhoria nos
níveis de qualidade dos recursos naturais.
A
experiência tem seu início com a Constituição do Estado do Paraná, que previu a
figura como forma de compensação aos municípios que possuíssem em seu
território, unidades de conservação, assegurando-lhes tratamento especial por
ocasião da repartição da receita dos impostos arrecadados pelos Estados.
É o que
consta do artigo 132, Parágrafo único, cujo destaque segue transcrito:
Art. 132. A
repartição das receitas tributárias do Estado obedece ao que, a respeito,
determina a Constituição Federal.
Parágrafo Único. O Estado assegurará, na forma
da lei, aos Municípios que tenham parte de seu território integrando unidades
de conservação ambiental, ou que sejam diretamente influenciados por elas, ou
àqueles com mananciais de abastecimento público, tratamento especial quanto ao
crédito da receita referida no art. 158, parágrafo único, II, da Constituição
Federal.
A mesma abordagem é a que se encontra reproduzida na ordem jurídica de
todos os Estados-membros que propõem funções extra-fiscais ao imposto ICMS,
situando a adoção de ações de conservação e de melhoria da qualidade dos
recursos naturais como um critério a ser considerado na distribuição da receita
oriunda da arrecadação do referido imposto pelos Estados.
Portanto, não se verifica aqui a destinação de sua receita de forma
direta a ação ou programa ambiental específico, ou ainda, a previsão de imposto
que tenha por objetivo prepondante, destinar o resultado de sua arrecadação à
proteção do meio ambiente. Trata-se de imposto cuja destinação permanece sob o
efeito da proibição de não-efetação inscrita no artigo 167, inciso IV, da CRFB,
sendo a variável ambiental, um dos critérios que serão levados em consideração
para o fim da repartição constitucional das receitas entre todos os municípios
beneficiários, que poderão ter acesso a um maior percentual, na medida em que
tenham apoiado a criação de unidades de conservação, ou financiado ações destinadas
ao saneamento ambiental. É de se verificara aqui, que as ações de interesse à
defesa e proteção do meio ambiente já foram realizadas previamente pelos entes
municipais, razão pela qual, definitivamente não é possível compreender
semelhante situação como forma de se vincular a receita do imposto a programa
ou ação ambiental específica.
Em relação ao Estado de Mato
Grosso, o regime de repartição do ICMS entre os municípios foi definido,
primeiro, pela lei complementar n. 73, de 07 de dezembro de 2000, o qual prevê
(artigo 2º, Parágrafo Único) que 25% da receita compartilhada do ICMS obedecerá
à ponderação dos seguintes critérios: a) receita própria, b) população, c) área
do município, d) cota igual, e) saneamento ambiental e, f) unidade de
conservação/terra indígena.
A matéria foi objeto de
regulação posterior, por iniciativa da lei complementar n. 157, de 20 de
janeiro de 2004, ainda em vigor, que disciplinou o índice de participação dos
municípios no acesso à receita compartilhada do ICMS. Nesse texto, de forma
substancialmente distinta do que já se previa inicialmente, a receita
transferida pelo Estado aos municípios (25%, conforme especifica o artigo 158,
inciso IV, da CRFB), teria de ser compartilhada e acordo com a valoração
setorial de cada variável. Sob este contexto, apenas 5% da receita que foi
transferida e deveria ser repartida entre os municípios, seria destinada de
acordo com a consideração da presença de unidades de conservação ou terras
indígenas em seu território. A variável saneamento ambiental foi agregada ao
coeficiente social, mensurado através do IDH, respondendo por 11% da receita. É
o que preceitua o artigo 2º, incisos V e VI, da lei complementar em comento.
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