sexta-feira, 29 de outubro de 2010

AULA 10 --> ATUALIZADA <--

AULA 10

Tema: Orçamento público. Conceitos, princípios orçamentários e vedações orçamentárias.

O enfoque escolhido para o fim de organizar a apresentação deste curso foi o de considerar a atividade financeira do Estado como processo cuja função preponderante é a de viabilizar que cada um de nós pudesse ter acesso e ser capaz de desenvolver plenamente suas capacidades, potencialidades e os elementos identificadores de sua personalidade, atingindo níveis de bem-estar que fossem definidos por uma determinada experiência jurídica, como satisfatórios, suficientes e, mínimos. É assim que se pôde compreender e considerar a função das receitas, como as fontes de financiamento capazes de assegurar que tais objetivos pudessem ser atendidos e atingidos, e as despesas, estas representativas justamente das finalidades existenciais que precisam ser atingidas: prioridades representativas dos níveis de proteção que foram previamente definidos como tarefas de uma experiência transitória, para um interstício de até quatro anos, sob o condicionamento de regras e princípios de uma experiência jurídica, de um projeto político e existencial proposto por uma Constituição, aberta a uma ordem pública convencional e a outras experiências externas.
Chega o momento de compreender o processo de formação destas escolhas, de organização das metas, e de integração destas com as capacidades financeiras, restrições e a disponibilidade econômica do Estado, aspectos que serão analisados no âmbito de planos concretizadores de direitos fundamentais, denominados orçamentos.

Conceitos:

IMPORTANTE: O fundamento da noção de orçamento é o controle entre receitas e despesas. Sua definição tem relação direta com a revisão do conjunto de funções do Estado, através de sua atribuição pelos textos das Constituições contemporâneas. De um Estado liberal para um Estado social e democrático, que tem vinculado um conjunto de tarefas, a construção do orçamento implica admitir que o processo que reúne a previsão da arrecadação e da despesa, expõe na verdade um processo de escolhas de prioridades entre diversas que são possíveis, que representam em última análise, os efeitos de decisões políticas com efeitos diferenciados sobre o desenvolvimento da realidade econômica e social. Decisões no âmbito de um orçamento reproduzem necessariamente, modificações sobre a realidade fática, que não deixa de ser influenciada pelo que se PROPÕE [pode ou não ser concretizado da forma como foi proposto] em um orçamento anual.

a) Orçamento como instrumento financeiro e contábil: Peça técnica que contempla a previsão de arrecadação (receita) e a autorização dos gastos (despesas), que não lhe atribui qualquer função externa na coordenação da organização social e econômica da atividade pelo Estado. Nesta elaboração, que prevê o conceito clássico do orçamento, não se enfatiza o elemento funcional da atividade de planificação, que está acentuada no conceito contemporâneo de orçamento programa. Tem-se neste primeiro conceito, ênfase para a idéia de um ATO que contém a aprovação prévia de receitas e de despesas que serão efetuadas pelo Estado [receitas e despesas públicas]. A definição clássica de orçamento privilegia um enfoque sobre o conteúdo. Seria, portanto, uma peça técnica de previsão de receitas e de autorização para as despesas públicas, sem qualquer avaliação ou julgamento sobre a identidade ou idoneidade dessas despesas em relação às necessidades concretas do próprio Estado, ou ainda, das necessidades ou prioridades da sociedade, ou sobre os objetivos sociais ou econômicos que teriam de ser atingidos com a execução dessa peça [orçamento].

b) Orçamento como instrumento de planejamento e ordenação da vida social (orçamento-programa): O conceito foi proposto pelo professor José Afonso da Silva e privilegia o elemento funcional do orçamento, compreendido como instrumento de programação e de planejamento da atividade estatal, sendo o orçamento, instrumento para a realização dos objetivos, metas e prioridades que tenham sido definidas em um determinado momento pela Administração. Fica evidente na noção de orçamento programa, a capacidade que lhe é atribuída, de modificar a realidade econômica e social, propondo-lhe novas funções, adaptadas a cada forma de organização estatal, interferindo em maior ou menor grau sobre essas realidades, de acordo com as escolhas ou opções realizadas pelo chefe do Poder Executivo.
Note-se, entretanto, que planificação não necessariamente representa dirigismo estatal da economia, senão reforça a idéia de planejamento e de ordenação das metas e dos objetivos estatais, situados estes no contexto de uma economia de mercado, que agora agrega a necessidade de realização de outros valores, sociais, culturais, assistenciais, ecológicos, etc...

Conceito proposto pelo professor José Afonso da Silva: “[...] processo e o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa da receita e fixação das despesas de cada exercício financeiro.”

IMPORTANTE: Os aspectos do orçamento:
a) Político: Uma decisão sobre uma determinada organização orçamentária pode refletir objetivos mais ou menos sociais, de maior ou menor interferência na economia, mais ou menos gastos com o custeio dos serviços públicos ou despesas com pessoal, etc...
b) Econômico: Uma decisão que reflete o estado [que é apenas transitório] da economia;
c) Técnico: Reúne a elaboração financeira das receitas e das despesas;
d) Jurídico: Porque representa uma decisão que não é arbitrária, nem unilateral, senão o efeito coordenado de opções, segundo a orientação da ordem constitucional e da ordem jurídica nacional (CRFB, Lei n. 4.320/64 e LC n. 101/2000);

A natureza jurídica da lei orçamentária.

Lei em sentido formal e material: posição do professor Régis Fernandes de Oliveira. Nesta leitura, o orçamento seria lei em sentido formal porque resulta de aprovação de um processo legislativo. Material porque agrega: a) a capacidade de inovar de forma primária a ordem jurídica, gerando direitos e obrigações de forma originária; b) coeficiente de generalidade e de abstração, não se aplicando de forma direta a situações específicas e determinadas, senão através de subsunção da hipótese normativa aos fatos;

Orientação do STF: A lei orçamentária tradicionalmente não era considerada como lei em sentido material pelo fato de não expor suficiente coeficiente de generalidade capaz de atrair a fiscalização em processo objetivo de fiscalização da constitucionalidade das leis. Uma vez que a lei propunha regras com termo inicial e final em um ano e, alcançando apenas situações determinadas naquele programa específico, não se teria, ao juízo do STF, generalidade e abstração, atributos essenciais das leis em sentido material.
Mais recentemente a orientação do mesmo STF (ADIMC n. 4048/DF) propõe que também as normas orçamentárias expõem-se à fiscalização objetiva, não sendo aquela circunstância suficiente para lhes retirar a generalidade própria dos atos legislativos. Seriam assim, atos dotados de generalidade, abstração e capacidade de inovar de forma primária a ordem jurídica. Nesta abordagem, o fato de o orçamento deter a capacidade de interferir de forma primária sobre a realidade social, econômica e financeira de um ano, não lhe retira a generalidade e a abstração próprios de um ato legislativo, especialmente porque se trata de uma previsão de receita e uma previsão de despesas. Tem-se aqui um prognóstico; a proposição de um programa. Por esta razão, tem-se lei em sentido formal e material. Esta é a ementa do julgamento, que segue transcrita:

“EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N° 405, DE 18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. I. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes. II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade. III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. IV. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n° 11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008.”
(STF. Tribunal Pleno. ADIMC n. 4048/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJe de: 22.08.2008).

O orçamento e a vinculação do administrador.

QUESTÃO: Se o orçamento apenas realiza um juízo prospectivo [apenas prevê a arrecadação e os gastos, ou ainda, prevê uma determinada realidade de tarefas e de realizações por iniciativa do Estado], o orçamento pode ser considerado uma peça de ficção?
Em outras palavras, o administrador, prefeito, governador, presidente da república, pode escolher entre realizar ou não realizar as despesas que estão apontadas em sua proposta, que foi aprovada pelo Poder legislativo? Pode escolher entre cumprir ou não cumprir aquelas tarefas em termos de gastos públicos?
De fato, nem sempre é possível realizar todas as tarefas, definidas como prioridades e, portanto, como despesas no plano de um orçamento anual. É também por essa razão que se admite que despesas sejam anuladas, para atender prioridades que foram consideradas mais relevantes diante da necessidade de atender despesas imprevistas, extraordinárias ou ainda, reforçar a dotação de outra despesa que, em um determinado momento, exige mais recursos de um conjunto finito, e que em um julgamento de prioridades, prevalece sobre a despesa anulada ou que será anulada. Entretanto, determinadas despesas nunca poderão ser anuladas ou nunca poderão deixar de ser realizadas, como aquelas destinadas ao custeio da folha de pessoal, os encargos da dívida, e as ações de saúde e de ensino. O desatendimento destas despesas implica em crime de responsabilidade do chefe do Poder Executivo, conforme se afere, em relação à União, do texto do artigo 85, inciso VI, da CRFB, in verbis:

“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
[...]
VI - a lei orçamentária;”

Já sob essa perspectiva, fica visível que quando se fala em discricionaridade, ou liberdade para que o administrador realize as escolhas sobre prioridades que deverão ser atendidas pelo Estado, a partir dos recursos públicos que estão à sua disposição, não é plena e tampouco absoluta.
Primeiro, há decisões que escapam de sua capacidade de realizar opções. É o caso daquelas despesas já apontadas. Sobre estas não cabe escolher entre realizá-las ou não realizá-las. O que lhe cabe é definir como atingir os objetivos garantia da saúde e do ensino, mas não lhe cabe gastar menos do que lhe foi exigido pela Constituição.
No caso do planejamento orçamentário municipal, a restrição sobre essa capacidade de realizar escolhas é ainda mais evidente, quando se verifica, do texto do artigo 44, caput, da Lei n. 10.257/2001 (Estatuto das Cidades), que o próprio processo de elaboração da lei orçamentária anual [nos municípios] depende de sua exposição pública em debates, consultas e audiências públicas. Estas, ou melhor, a realização destas constitui pressuposto indispensável para a aprovação pela Câmara Municipal, sob pena de justificar sua invalidação.
Mesmo em relação a despesas que não contam com a especificação/quantificação pela lei ou pela CRFB, não se pode admitir como correta a afirmação de que o prefeito, o governador ou o presidente da república detenham ampla capacidade para decidir de que forma serão gastos os recursos públicos disponíveis.
É necessário esclarecer e distinguir duas situações que envolvem a determinação do que sejam as prioridades públicas. Pela primeira hipótese, pode-se ter com objeto, escolhas sobre em que medida serão realizados os gastos, de modo a contemplar todas as necessidades públicas. Pela segunda hipótese, tem-se como objeto, escolhas sobre que gastos e, portanto, que modalidade de necessidades serão ou não serão contempladas como prioridades em um determinado momento.
Na primeira hipótese, teremos que algumas necessidades prevalecerão e terão preferência na alocação e reserva dos recursos públicos, mas a definição desta escala [móvel] não subtrai do administrador, o dever de realizar todas as tarefas que possui por atribuição legal ou constitucional.
Sendo assim, não pode deixar de assegurar saneamento básico, não pode deixar de manter a qualidade dos recursos naturais, não pode deixar de assegurar acessibilidade a portadores de necessidades especiais. Deve gastar e prever tais gastos em cada proposta orçamentária, e deve submeter ao Poder legislativo esta previsão todos os anos, não lhe sendo possível subtrair tal previsão. O que lhe cabe é definir, segundo a escassez e a finitude de tais recursos, quais destas necessidades, serão atendidas em maior ou menor grau.
Sob esta perspectiva, não cabe, sob a justificativa de que o prefeito, o governador e o presidente da república possuem a capacidade para definir de forma plena suas escolhas sobre o que deve ou não deve ser atendido pelos recursos que estão à sua disposição.
Se o orçamento é uma decisão política, não representa uma decisão exclusivamente política. É política porque propõe um plano, um programa, uma proposta que expõe de forma planejada, suas metas, ações e projetos para um ano das atividades públicas, mas não representa e não pode representar uma decisão exclusiva do chefe do Executivo. Sua capacidade de escolha é limitada e não pode se desvincular dos objetivos e tarefas que devem ser atendidos, por expressa definição lega e constitucional.
A última palavra continua a ser atribuída ao chefe do Poder Executivo, mas esta decisão não é unilateral e muito menos arbitrária, não lhe sendo permitido impor leituras ou posturas autoritárias sobre como pretende interferir na realidade, na forma de gastos públicos, deixando de atender a imposições como as que já foram descritas.

PORTANTO:
a) O administrador não possui ampla liberdade para definir que tarefas terá de realizar, senão liberdade limitada para definir como terá de realizar tais tarefas públicas, que foram apontadas pela lei ou pela Constituição;

b) O administrador não poderá, de outro lado, como regra geral, deixar de realizar as despesas que se propôs realizar. Fosse admitido que pudesse fazê-lo, ter-se-ia descaracterizado o sentido de planejamento da atividade estatal, seja sob o ângulo do controle do equilíbrio financeiro de sua atividade, seja sob o ângulo político e social de interferência sobre a realidade, a partir de um determinado programa de metas de governo. Pode-se admitir, como exceção, a possibilidade de que alguns gastos não sejam realizados, não porque não mais se pretende realizá-los, mas porque decorrem da anulação da despesa para o atendimento de necessidades vinculadas a créditos adicionais, por exemplo (suplementares, especiais e extraordinários).
Como regra geral, tem-se que as despesas que importem o cumprimento de tarefas impositivas, seja decorrentes de lei ou da Constituição, não podem deixar de ser pagas e, portanto, constituem escolhas que não podem ser livremente manipuladas pelo chefe do Poder Executivo. Só lhe cabe adimplir, e realizá-la, não podendo subtraí-las da proposta orçamentária anual, assim como também não pode removê-las, anulando-as após a aprovação pelo Poder Legislativo.

IMPORTANTE: As despesas que decorrem de imposições legais ou constitucionais representam ao particular, fontes que fundamentam direitos fundamentais que podem ser oponíveis perante o Estado. Esta não pode agir nem aquém e nem além do que lhe fixou a Constituição e as leis em relação ao atendimento de metas e tarefas (necessidades públicas). Não pode desconsiderar tais necessidades como prioridades (défice), assim como também não pode agir além das autorizações que possui (excesso). Se alguma liberdade há, esta não incide sobre atender ou deixar de atender aquelas necessidades, senão sobre como devem ser atendidas no contexto em que os recursos financeiros não são ilimitados.

QUESTÃO: O controle do orçamento e os princípios constitucionais da Administração Pública (artigo 37, caput, da CRFB). Perante o que prevê o princípio da eficiência, é suficiente realizar as tarefas (gastar), ou lhe é exigido como condição indispensável, gastar da melhor forma que lhe seja possível? Exemplo: gastos com saúde e com ações e ensino. Se em uma determinada lei orçamentária está previsto que uma parcela dos recursos vinculados será destinada à construção de escolas, mas em todos os anos em que essas despesas foram realizadas, nenhuma evidência de melhoria dos níveis de ensino foi constatada, é correto admitir que na próxima lei orçamentária, o chefe do Poder Executivo está autorizado a permanecer com estas ações como instrumento para a aplicação dos recursos?

IMPORTANTE: O planejamento da ação pública através do instrumento orçamento enatiza a importância da qualidade das escolhas realizadas pelo chefe do Poder Executivo, uma vez que destas escolhas resultará maior qualidade de vida, ou a degradação dos níveis de proteção já atingidos. Um exemplo claro pode ser visualizado nas escolhas vinculadas a uma política pública de saúde. O gestor tem ao seu alcance a possibilidade de definir suas prioridades, sendo possível decidir que fará o uso dos recursos disponíveis para financiar ações preventivas [para que deixe de gastar com outras ações públicas, financiando ações que visem mitigar os efeitos nocivos à qualidade de vida], ou ainda poderá fazer o uso dos mesmos recursos para manter ações de combate aos efeitos da perda de enfermidades, tratamentos e outras ações que visem restaurar a qualidade de vida.
Fica claro, neste contexto, a relevância do instrumento orçamento público para a definição dos níveis de proteção social, diante da relação existente entre as escolhas sobre as prioridades públicas, e seus efeitos. A qualidade destas escolhas influencia decisivamente a extensão da proteção que se pretende proporcionar e os níveis de bem-estar que se pretende atingir através da ação pública.
Sendo assim, é neste momento que se pode visualizar com ênfase as condições de concretização dos direitos fundamentais e, principalmente, a capacidade e a identidade de um determinado modelo de Estado que viabilize esta proteção, e os níveis de qualidade de vida envolvidos. Em um Estado ambiental, a natureza da proteção social, e os níveis de proteção que se pretende atingir estabelecem relação direta com a autorização e a capacidade de se realizar escolhas e tomar decisões sobre prioridades públicas, inserindo-se entre estas, a necessidade de conservação da qualidade dos recursos naturais, por se admitir que desta decorre a possibilidade de se proteger um direito a viver dignamente em um ambiente de qualidade. Esta noção foi proposta inicialmente por Siegmar Streckel, para quem, estaria compreendida na capacidade de definir prioridades políticas, a possibilidade de se adotar medidas razoáveis no âmbito de uma política ambiental racional.
Diante dos argumentos expostos, pode-se argumentar que, no plano das escolhas orçamentárias sobre a proteção de direitos fundamentais, especialmente aqueles diretamente vinculados às condições para o desenvolvimento de uma vida digna, não se admite que as funções estatais detenham a capacidade de realizar escolhas sobre o se proteger ou o quando proteger. Viabilizar a existência e assegurar o igual acesso às condições indispensáveis para o desenvolvimento de níveis suficientes e satisfatórios de bem-estar coletivo constituem um dever estatal, razão pela qual não está ao alcance da ação pública, a escolha sobre se este objeto deverá ser protegido e quando o será. A ação deve acontecer e deve acontecer de forma permanente, periódica, ininterrupta e progressiva. Em semelhante contexto, se é possível admitir margem de discrição à decisão do legislador, esta se concentra exclusivamente sobre o componente modal, adstringindo-se, portanto, ao como proteger, e ao como assegurar que aqueles objetivos sejam atingidos. Neste plano, os caminhos e as alternativas encontram-se abertas à ação decisória, condicionadas em última análise, pela finalidade que se pretende assegurar.
É importante salientar que o como proteger envolve, fundamentalmente, um problema de determinação dos níveis de proteção, sendo esta a causa que enfatiza a importância das escolhas que se encontram reservadas à função legislativa, em concorrência com o chefe do Poder Executivo, na elaboração e aprovação da proposta orçamentária.

Os princípios orçamentários

a) Princípio da universalidade ou princípio do orçamento global (artigo 165, § 5º, inciso I a III, da CRFB): todas as receitas e todas as despesas devem estar previstas na proposta orçamentária e, posteriormente, na lei orçamentária. A lei orçamentária deve prever todos os tipos de orçamento (fiscal, de investimentos das empresas estatais e o da seguridade social), contemplando a arrecadação prevista e as despesas relacionadas a cada um deles. A exceção está vinculada aos tributos que tenham sido fixados após a aprovação da lei orçamentária, para o próximo exercício, que por essa razão não foram objeto de previsão.
Quando se faz referência à previsão de arrecadação de todas as receitas e autorização para todas as despesas, está se tratando de todos os Poderes, fundos públicos, órgãos e entidades da Administração direta e indireta. Todas estas devem estar contempladas na proposta de orçamento anual. Este princípio enfatiza o CONTEÚDO da lei orçamentária, e tem origem em emenda constitucional à Constituição de 1891, propondo prevenir o que Ruy Barbosa tratava com caudas orçamentárias.

IMPORTANTE: Já dissemos que o orçamento, muito embora não reproduza, exclusivamente, a perspectiva de instrumento técnico de planejamento, tem como um de seus principais conteúdos, a previsão da receita e a autorização das despesas. Como se pode compreender, nesse contexto, a hipótese do tributo que tenha sido instituído após a aprovação da LDO e da LOA. Pode ser arrecadado? Muito embora seja uma fonte de receita e todas as receitas devam estar contempladas no orçamento como conseqüência do princípio da universalidade, esta hipótese constitui exceção, de modo que, instituído o tributo, muito embora não tenha sido previsto pela lei orçamentária, nenhum óbice se opõe à sua exigibilidade, conforme o enunciado da súmula n. 66, do STF, ainda em vigor.

b) Princípio da anualidade ou periodicidade (artigo 165, III, CRFB): a previsão de receitas e de despesas tem termo inicial e final, vinculado a um exercício financeiro (um ano). Entretanto, nem sempre a execução das despesas está vinculada ao período de um exercício financeiro, sendo este o caso dos programas de duração continuada, que se relaciona a plano de investimentos públicos inseridos no contexto do Plano Plurianual. Neste caso, deve-se enfatizar que muito embora a despesa não tem termo final em um exercício financeiro, a previsão de receitas e despesas continua a ser realizada ano a ano, sendo esta, também, a forma de execução dessas despesas.

c) Princípio da exclusividade (artigo 165, § 8º, CRFB): não podem estar previstas na lei orçamentária quaisquer matérias estranhas à previsão das receitas e a autorização das despesas. Como exceções são admitidas as previsões para: a) créditos suplementares (não são especiais e nem extraordinários), b) contratação de operações de crédito, mesmo que por antecipação de receita. Este último caso prevê, v.g, financiamento realizado pelo Poder Público perante as instituições financeiras [não perante o próprio Poder Público, face a proibição inscrita no artigo 167, inciso X, da CRFB, que trata das vedações orçamentárias, objeto de aula posterior prevista no plano] para o custeio da folha de subsídios dos servidores, até que os recursos sejam liberados com a abertura do exercício financeiro.

d) Princípio da unidade (artigo 165, § 5º, CRFB): tradicionalmente tem-se definido tal princípio propondo-se que a peça física do orçamento é única, muito embora contemple tipos de orçamentos distintos, sendo que, nessa mesma peça devem estar contemplados todos os gastos e todas as despesas públicas para um exercício financeiro. Mais correto, seria admitir, como propõe o professor José Afonso da Silva, que o princípio da unidade orçamentária veicula a idéia de unidade na programação e no planejamento, entre os vários tipos de orçamentos previstos pelo artigo 165, da CRFB. A unidade não seria, portanto meramente formal, senão uma unidade material, de planejamento e de organização.

e) Princípio da não afetação (artigo 167, inciso IV, da CRFB): não se permite que a receita de impostos seja vinculada ao custeio de ações de quaisquer órgãos, fundos ou despesas, admitindo-se como exceções a repartição das receitas oriundas dos artigos 158 e 159 da CRFB, o custeio das ações de saúde e de ensino, atividades de administração tributária, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, tal como previsto no artigo 165, § 8º e no artigo 167, § 4º, da CRFB.

f) Princípio da programação (artigo 48, inciso I e IV, e 165, § 4º, CRFB): tem relação com a forma de elaboração do orçamento. Por este princípio, o orçamento deve propor a formulação de objetivos, e o estudo das alternativas de ação futura que sejam compatíveis e adequadas para alcançar as finalidades governamentais propostas, reduzindo-as na seqüência a um conjunto limitado de alternativas e, posteriormente, apontando como os objetivos serão alcançados pelas alternativas eleitas.

As vedações orçamentárias.

O conjunto de proibições e restrições encontra-se fixado ao longo do artigo 167, inciso I usque XI, e §§ 1º, 2º e 3º, da CRFB de 1988:

“Art. 167. São vedados:
I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;
VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;
VII - a concessão ou utilização de créditos ilimitados;
VIII - a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos mencionados no art. 165, § 5º;
IX - a instituição de fundos de qualquer natureza, sem prévia autorização legislativa.
X - a transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e Estaduais e suas instituições financeiras, para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
XI - a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 1º - Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.
§ 2º - Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subseqüente.
§ 3º - A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62.

Basicamente, temos que:

a) Todo programa e projeto, associado a despesa específica, só pode ter início se previsto na LOA. Não existe plano para o fim de justificar despesas se não contemplado na LOA. Pretensões de realização de despesas não existem se não previstas na LOA.
b) Se todo gasto deve ter previsão na LOA, e deve estar associado a algum programa ou projeto, que por sua vez devem estar contemplados na LOA, esse gasto não pode exceder o limite dos recursos que estão disponíveis na forma de dotações orçamentárias alocadas para seu atendimento [créditos orçamentários]. Despesas que excedam os créditos orçamentários ou aqueles adicionais [suplementares, especiais ou extraordinários] são proibidas. Só se pode gastar no limite da disponibilidade financeira. Esta disponibilidade financeira é fixada pelos CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS.
c) Não é possível que operações de crédito excedam os limites dos créditos para despesas de capital. Em outras palavras, tem-se que o Estado não pode contrair empréstimos para atender a investimentos, v.g, além do valor fixado para tal despesa. O limite para as operações de crédito para o atendimento de tais despesas é o seu valor, ressalvadas, naturalmente as despesas que tenham de ser atendidas por créditos suplementares ou especiais [despesas sem crédito suficiente, ou despesas que não haviam sido previstas], desde que autorizados por lei. Neste caso as despesas de capital poderão ter determinado limite, que poderá ser excedido, desde que sejam verificadas as hipóteses que justifiquem uma autorização legislativa para o uso de mais recursos disponíveis para tais despesas, além daqueles montantes inicialmente previstos.
d) Proibição de vinculação [destinação] da receita de qualquer imposto a fundo ou despesa. Excetuam-se desta proibição: 1) a repartição da receita nos termos definidos pela própria CRFB em seus artigos 158 e 159; 2) ações e serviços públicos de saúde (artigo 198, § 2º, CRFB); 3) manutenção e desenvolvimento do ensino (artigo 212, CRFB); 4) atividades da administração tributária (artigo 37, inciso XXII, CRFB).
e) Todo crédito suplementar ou especial [não se trata aqui de créditos extraordinários] deve ser autorizado por lei, e somente pode ser autorizado pelo Poder legislativo se nesta mesma autorização, forem apontadas as fontes dos recursos. Não é possível a atribuição de crédito suplementar ou de crédito especial sem a respectiva identificação de qual será a fonte de custeio desses créditos;
f) Uma vez aprovado o orçamento, não é possível o remanejamento, a transposição ou a transferência dos recursos de uma determinada dotação, reservada para uma determinada despesa, situada em categoria de programação, para outra, ou mesmo, uma dotação alocada para despesas de um órgão para outro, salvo se previamente autorizados por lei;
g) Só existem créditos orçamentários para o atendimento de uma determinada despesa, que só pode ser realizada nos limites dos recursos disponíveis, sendo esta a representação da noção de equilíbrio orçamentário proposta pela ordem constitucional brasileira. Assim sendo, não se concebe com possível despesas sem limites, assim como também não é possível prever-se créditos sem limites;
h) As empresas estatais, fundações públicas e os fundos especiais podem ter seus défices de operações cobertos pelos recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social [não há referência aqui aos recursos previstos para investimentos], mas este uso de recursos depende de autorização legislativa específica para tal finalidade.
i) Não se proíbe a instituição de fundos [patrimônio vinculado a destinação específica], mas estes devem ter sua instituição autorizada por lei. Não se trata de exigir sua criação por ato legislativo, mas de exigir que o ato de criação decorra de uma autorização prévia, que deve ser legislativa.
j) O pagamento das despesas com pessoal [ativos, inativos e pensionistas] pelos Estados, Distrito-federal e municípios não pode ser efetuado através de transferências voluntárias pela União, ou por empréstimos contraídos por aqueles perante a União para tal finalidade. O resultado da repartição da receita dos impostos pode perfeitamente ser utilizado para o pagamento de folha de pessoal, mas na hipótese em que os recursos se esgotem, não é possível se contrair empréstimo perante instituição financeira da União para esta finalidade.
k) A receita das contribuições da seguridade social só podem ser destinadas ao custeio das atividades vinculadas à manutenção dos benefícios. São tributos com destinação específica [não são impostos] e não podem ter qualquer outra destinação. Uma vez alocados no orçamento da seguridade social, receita e despesa não podem ser remanejados, transferidos ou transpostos. Só podem ser destinados a tais finalidades.
l) Todo investimento que tenha de ser executado em período que supere um exercício financeiro só pode ter seu início após prévia inclusão no PPA, e na hipótese em que não o tenha sido oportunamente, deve ter autorização legislativa;
m) Créditos especiais e extraordinários [autorizações para se gastar recursos disponíveis, além das previsões orçamentárias] estão vinculados ao exercício em que foram autorizados, mas se foram autorizados a partir de setembro, seu saldo, se existir, se for reaberto, será reincorporado na LOA do próximo exercício;
n) Os créditos extraordinários não estão sujeitos a limites uma vez que vinculados a eventos imprevisíveis, relacionados a três causas: guerra, comoção interna e calamidade pública. Podem ser autorizados por medida provisória;

Exercícios programados:
1) Análise de acórdãos relacionados à proteção de direitos sociais em contexto de escassez financeira: a colisão entre direitos fundamentais, relacionando direitos de uma universalidade, a universalidade do direito à saúde e a outras prestações existenciais, e o equilíbrio orçamentário. Expor ao debate, a judicialização da proteção da saúde, a noção de mínimo existencial, a complexidade da determinação de um conjunto mínimo de prestações, a noção de reserva do possível, a progressividade na proteção social como tarefa de um Estado socioambiental, a capacidade para resolução de conflitos em torno da escassez de recuros e o nível de proteção (a decisão sobre o nível de proteção e os sujeitos da proteção envolve a escolha sobre demandas e prioridades, ao Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário? Em que medida?).
2) Analisar a validade de argumentos e afirmações expostas em matéria jornalística previamente selecionada a ser distribuída aos alunos, sobre a judicialização da proteção da saúde;
3) Reflexão sobre a judicialização de direitos fundamentais: por que e sob que condições é possível exigir do Estado, que concretize um dever de proteção sobre um determinado direito fundamental, além de suas capacidades financeiras? Isto é possível? (condições e limites). Ou apenas quando se demonstre qeu níveis mínimos ainda não puderam ser concretizados? O que ocorre quando estes, mesmo mínimos, ainda não podem ser suportados pelo Estado?
4) Reflexão sobre a relação entre a identidade de uma determinada forma de organização estatal, ou de uma forma de arquitetura institucional para a ação pública, e o conteúdo, funções e a intensidade dos deveres estatais de proteção a partir do exemplo da ação pública chilena no resgate de seis mineiros soterrados. Quando um determinado Estado destina mais de dez milhões de dólares para o fim de resgate de seis mineiros, fica bastante claro e visível que a vinculação da ação pública e de seus processos de decisão a um juízo custo-benefício é incapaz de concretizar ou de satisfazer adequadamente o conjunto de demandas ou de tarefas que se encontra atribuído a grande parte das formações estatais ocidentais, nos termos de seus projetos político-constitucionais. A destinação de dez milhões de dólares para o resgate de dez mineiros evidencia a intensidade do objetivo estatal de proteção da vida humana, com parte integrante de semelhante projeto, expondo uma tarefa que não pode ser atendida sob a consideração restritiva de uma relação custo-benefício da ação pública.

Dinâmica de problemas relevantes para o exercício com acórdãos:
O poder político se manifesta através de funções, que por sua vez precisam ser capazes de concretizar projetos existenciais, e projetos de um futuro, no interesse de uma universalidade de sujeitos.
Até o momento ficou visível a intervenção da função executiva e da função legislativa na concorrência para aquele projeto, realizando escolhas, e tomando decisões sobre o destino e os rumos da existência dessa universalidade de interessados. Em relação à definição das escolhas orçamentárias, a função executiva externa uma prepondreância prima facie em relação às demais porque à ela cumpriria realizar as escolhas sobre como assegurar proteção social, e à legislativa, cumpriria submeer estas escolhas a um processo de controle e fiscalização. Onde se integra a função judicial neste processo?
Em primeiro lugar, ponderações são realizadas pelo legislador, cumprindo à função executiva propor os meios a partir dos quais se dispõe a atingir aqueles níveis de proteção definidos de forma democrática pelo parlamento. Onde se integra a função judicial neste cenário? A quem cumpre determinar estes níveis mínimos de proteção que precisam ser assegurados por iniciativa e através do Estado? Se estaria autorizado à função judicial expor à censura ou corrigir as escolhas deficientes, excessivas ou inadequadas, até onde se estende a capacidade de intervir neste processo?

As fases do processo de decisão expostas no problema:
a) A sociedade expõe demandas existenciais, e demandas por mais proteção social, ou ainda, por níveis mais elevados de proteção do que aqueles que se lhes encontra acessíveis;
b) O Estado afirma que não dispõe de recursos suficientes: afirma sua incapacidade de atender a todas estas demandas de acordo com os recursos disponíveis.
c) Afirma sua incapacidade financeira. Por ess razão, argumenta que não poderá atender tais demandas porque não dispõe dos recursos suficientes. Em síntese propõe que: “Já faço tudo o qeu está ao meu alcance;
d) A função judicial obriga ao atendimento de necessidades não previstas ou contempladas. Em síntese, propõe que o Estado atenda demandas além de suas capacidades financeira e orçamentária. Exige que o Estado proponha a ação pública além dos recursos que estão à sua disposição;
Indaga-se:

a) O que representa a reserva do possível?
b) Quem define os níveis de proteção?
c) O que representa neste momento, a separação funcional do poder político?
d) Há limites para a fiscalização realizada pela função judicial sobre as escolhas orçamentárias?

Outros problemas relevantes:

a) O que permite justificar a proteção de um direito fundamental em detrimento de outras demandas, ou ainda, o que permite autorizar que a função judicial possa propor outra escala de prioridades para a proteção pela ação pública, em detrimento das escolhas já realizadas pelo chefe do Poder Executivo, ou que tenham sido corrigidas ou complementadas pelo parlamento? O reconhecimento da presença de pelo menos duas condições: a falha na execução do serviço público, que pode ser descrita sob diversos graus (omissão, deficiência, insuficiência, excesso), e um imperativo de proteção (no caso do direito à saúde, as demandas tendem a ser concentradas muito mais em situações que suscitam os riscos à sobrevivência de pacientes, enfatizando a urgência na proteção da vida humana, em detrimento de situações infra-estruturais que poderão no futuro, se não foram adotadas medidas de controle preventivo, antecipadamente, produzir prejuízos coletivos);
b) É possível justificar um dever estatal de proteção, para assegurar que recursos públicos sejam destinados para proporcionar qualidade de vida, ou a sobrevivência de um indivíduo ou de grupos, em detrimento de uma universalidade que poderia ser atendida pelos mesmos recursos?
c) É possível valer-se de juízos baseados em uma relação custo-benefício para justificar a tomada de decisões sobre a proteção de direitos fundamentais em um contexto de escassez de recursos? Juízos quantativos devem ser desconsiderados em uma relação de ponderação, em benefício de juízos qualitativos?
d) Como é possível justificar a destinação de recursos para o custeio de ações cujos resultados positivos para a qualidade de vida, ou para sua proteção adequada, ainda não foram demonstrados de forma conclusiva, segundo o estado do conhecimento científico disponível?
e) Um imperativo de proteção sempre deve ser justificado a partir da demonstração de uma situação de risco iminente de degradação da vida humana? Sobre este problema específico é importante salientar que a intensidade da proteção decorre da constatação e da demonstração de um estado objetivo de ameaça à existência da pessoa ou de um estado objetivo que represente a gravidade do prejuízo que comprometa o desenvolvimento digno da vida. As necessidades de proteção são variáveis e suscitam soluções e respostas flexíveis, capazes de remover os óbices que comprometem o desenvolvimento digno da vida, ou que possam comprometer a existência da pessoa. São dois, portanto, os principais objetos de proteção: vida e dignidade da vida, não se supondo exigível que se justifique a intervenção estatal exclusivamente para remover ameaças que se vinculem ao nível mais extremo e elevado de amaça: o estado de risco de morte. Um imperativo de proteção pode surgir a partir da demonstração da seriedade dos estados de lesão ao desenvolvimento digno da vida, e suscitam uma reflexão sobre o momento da intervenção. Nos casos de omissão estatal, um dever de proteção surge a partir da constatação de que o agravamento da lesividade decorre da permanência da omisão lesiva.
f) A determinação do que venha ser considerado suficiente ou adequado para o fim de se fixar padrões mínimos de proteção (portanto, a questão do que vêm a ser os níveis mínimos de proteção) para o fim de se assegurar bem-estar coletivo dependerá sempre de um juízo contextual, condicionado por variáveis econômcias, sociais e culturais. As escolhas relacionadas a um projeto existencial de futuro e de durabiliade de todas as formas de vida suscitam uma reflexão sobre a condição transitória e a revisibilidade sobre os níveis de proteção vinculados a uma determinada experiência social, econômica e cultural. Estas podem justificar a fixação de novas demandas, diferenciadas, na medida em que demandas existenciais anteriores já tenham sido atingidas e tenham sido expostas al alcance de uma universalidade. Sendo assim, a fixação de um mínimo existencial para a sociedade alemão, como um conjunto de prestações que lhes deve ser assegurado de forma universal, pode supor realidades ainda fora do alcance, neste momento, da capacidade de prestação imediata e obrigatória, por iniciativa do Estado socioambiental brasileiro, exigindo-lhe metas de implementação progressiva em uma escala de tempo mais alargada;
g) A questão da reserva do possível, ao contrário da perspectiva distorcida que tende a ser reproduzida em manifestações defensivas das pessoas jurídicas públicas, não constituiu uma causa capaz de justificar a manutenção de estados omissivos ou de proteção insuficiente para os direitos fundamentais, baseada na incapacidade financeira do Estado, senão justamente o seu oposto. Por se admitir que que os direitos sociais, cuja concretização em geral não depende exclusivamente do efeito de decisões privadas, e que não estão ao alcance da esfera de disponibilidade submetida ao mero exercício de liberdades individuais, senão da implementação de infra-estruturas mínimas, agregando variáveis sociais, econômicas e culturais, considera-se que estes direitos não constituem direitos de concretização instantânea, assim como as políticas públicas também não a supõem. Em semelhante perspectiva, a afirmação de que direitos sociais, econômicos e culturais não podem ser concretizados instantaneamente não implica reconhecer sua ineficácia, senão reforça um compromisso estatal e social, permanente, em torno de sua concretização, exigindo ações permanentes, e em grau progressivo, na medida de sua disponibilidade orçamentária, para o fim de se viabilizar, através de escolhas de longo prazo, a concretização definitiva do projeto existencial de qualidade de vida que foi definido por uma deterimnada ordem jurídica.
Portanto, ao contrário do que se pretende sustentar, os problemas suscitados pela reserva do possível não desconstituem ou diminuem a capacidade de transformação dos DSEC, senão os reforça, e enfatiza o compromisso estatal e social sobre sua concretização.